Que portas abre esta tecnologia para a cultura de células estaminais diferenciadas?
Para as pessoas entenderem o que foi publicado há que tentar imaginar o que é ter um polímero (vulgo plástico) e uma pequena molécula (algo do tipo mas mais pequeno que uma proteína) que instantaneamente se conseguem auto-organizar à nano-escala. Mas o mais interessante é que o sistema se organiza de um modo macroscópico (que podemos ver) formando um saco forte mas flexível.
Com um pouco mais de imaginação facilmente pensamos que é possível cultivar células estaminais humanas, nestes sacos, criando uma espécie de laboratório em miniatura. Estas estruturas podem ser úteis para proteger as células estaminais do sistema imunitário do paciente, sendo o “saco” depois biodegradado ao longo de tempo quando chegasses ao seu destino, libertando as células para fazer o seu trabalho de regeneração de tecidos.
Acreditamos que isto já não é totalmente futurista. O estudo publicado na Science prova-o! Os sacos formam-se espontaneamente e é possível cultivar células estaminais (indiferenciadas) no seu interior. É ainda possível manter os materiais em cultura com células e as membranas são permeáveis a proteínas e nutrientes. Ou seja provou-se que o tal mini-laboratório existe de facto e pode receber os necessários consumíveis.
Os mini-laboratórios criados agem como seres vivos?
Os mini-laboratórios que são descritos nesta publicação consistem num ambiente privilegiado, criado pela membrana que se forma, e no qual diferentes tipos de células (e.g. células estaminais) podem ser cultivadas e estimuladas a proliferarem e diferenciarem de forma a formarem um determinado tipo de tecido. Embora este sistema funcione algo semelhante a um sistema vivo, o qual pode ser “alimentado” e estimulado a “crescer”, não seria correcto afirmar que funcionam como seres vivos uma vez que não têm autonomia para funcionarem de forma independente.
O que está por trás da auto-organização molecular?
O principal mecanismo de auto-organização deste sistema consiste no uso de moléculas de péptidos (algo do tipo mas mais pequeno que uma proteína) cuja estrutura lhes permite auto-organizar instantaneamente à nano-escala. Neste caso, estas moléculas de péptidos com carga positiva auto-organizam-se quando em contacto com um polímero de grande dimensão e carga oposta (negativa). O biopolímero usado é o ácido hialurónico que é facilmente encontrado no corpo humano, em lugares como articulações e cartilagem, tem sido estudado no âmbito de diversos projectos de engenharia de tecidos de cartilagem desenvolvidos no nosso grupo de investigação. Estas estruturas sólidas formam-se quando colocamos a solução de polímero, mais viscosa e densa, no topo da solução de péptido. À medida que a solução de polímero submerge na outra solução ocorre a constante renovação da interface com o consequente crescimento da membrana, até que a solução de polímero fica completamente submergida resultando na formação “auto-organizada” de um saco fechado. Algo nunca antes observado!
Que aplicações electrónicas pode ainda ter esta membrana?
A membrana descrita no artigo publicado na revista Science não tem aplicação directa na área da electrónica pois os materiais que são usados na formação desta membrana não têm propriedades condutoras e/ou eléctricas. No entanto, o tipo de estrutura obtida apresenta grande potencial para desenvolver dispositivos electrónicos com estrutura semelhante. Pensa-se que o mecanismo de formação deste sistema (usando um polímero de grande dimensão e moléculas com capacidade de auto-organização com propriedades de interesse na área electrónica) poderá ser aplicado para construir dispositivos eléctricos com uma determinada geometria altamente organizada.
É comum, na natureza, encontrar uma organização ortogonal das fibras como na estrutura desenvolvida?
Na natureza existem vários exemplos de estruturas com elevada ordem de organização. Por exemplo, recentemente assisti a uma palestra de uma investigadora Espanhola que trabalha no Instituto Max-Planck em Stuttgart na Alemanha na área do desenvolvimento das superfícies adesivas. Estes investigadores tentam desenvolver materiais com capacidade adesiva tentado recriar estruturas semelhantes aos membros de locomoção de alguns répteis e/ou insectos, tendo em conta a capacidade destes seres vivos caminharem sobre a superfície de um tecto sem caírem. Quando observadas ao microscópio os membros destes animais apresentam, uma estrutura altamente alinhada, fazendo lembrar a estrutura da membrana obtida no nosso trabalho. Para mais informações sugiro a consulta do site da internet (http://www.mf.mpg.de/en/abteilungen/arzt/bio/topics.html) onde algumas dessas imagens podem ser visualizadas.
Biografia
Licenciou-se em Engenharia Biológica na Universidade do Minho em 1995, tendo posteriormente obtido o grau de doutoramento em 2001 pela Universidade De Montfort (Leicester, Reino Unido) em colaboração com a Universidade do Minho. Nesse ano, foi seleccionada para integrar o grupo de investigadores dos 3B´s como investigadora de pós-doutoramento onde tem vindo a trabalhar nos últimos 7 anos sob orientação do Prof. Rui L. Reis.
Em 2005, concorreu às prestigiadas bolsas Marie Curie da Comunidade Europeia que financiam investigadores Europeus para desenvolver trabalho de investigação em intuições de elevado prestígio fora da Europa. Esta bolsa foi-lhe atribuída em 2006, no âmbito do projecto POLYSELF da responsabilidade de Rui L. Reis, o que lhe permitiu a sua integração temporária no grupo do Prof. Samuel I. Stupp da Northwestern University (Chicago, EUA) onde desenvolveu trabalho de investigação cerca de ano e meio. Esse trabalho originou importantes resultados científicos que contribuíram fortemente para o artigo publicado recentemente na revista Science. Recentemente foi seleccionada como uma das Investigadoras Auxiliares contratadas pelo grupo 3B´s da U. Minho no âmbito do Programa do Governo Compromisso com a Ciência.
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