Nasceu em Setúbal, a 9 de Dezembro
de 1957.
É actualmente professor catedrático na Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa, regendo as cadeiras de
Filosofia da História e da Cultura e de Filosofia da
Política e do Direito (licenciatura).
Desenvolve desde 1978 uma intensa actividade no movimento
associativo ligado à defesa do ambiente, tendo sido
_ de 1992 a 1995 _ presidente da mais importante associação
ambientalista nacional, a QUERCUS - Associação
Nacional de Conservação da Natureza.
Publicou mais de duas centenas de estudos,
abordando temas filosóficos, político-estratégicos,
e ambientais.
Livros mais recentemente publicados: A Revolução
Federal: Filosofia Política e Debate Constitucional
na Fundação dos E.U.A (Lisboa, Edições
Colibri, 2002). O Federalista, de Hamilton, Madison e Jay,
tradução, introdução e notas coma
colaboração de João C. S. Duarte (Lisboa,
Edições Colibri, 2003); O Desafio da Água
no Século XXI. Entre o Conflito e a Cooperação
(coordenação científica, Lisboa, Editorial
Notícias, 2003). Reflexões sobre a Arte de Vencer,
de Frederico II da Prússia («Estudo Introdutório»,
Lisboa, Edições Sílabo, 2005), Estratégia
Nacional para o Desenvolvimento Sustentável. Um projecto
para Portugal (em co-autoria, Lisboa, Pandora, 2005), Metamorfoses.
Entre o Colapso e o Desenvolvimento Sustentável (Mem
Martins, Publicações Europa-América,
2005), Cidadania e Construção Europeia (coordenação,
Lisboa, Museu da Presidência da República/Ideias
e Rumos, 2005).
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Viriato Soromenho-Marques
“O saber precisa de ser duro como
o mais forte dos guerreiros.” A
Filosofia ensina a olhar para o ambiente?
Durante dois mil anos a Filosofia pensou a unidade da Natureza,
no âmbito de disciplinas tão diferentes como
a Ontologia e a Metafísica, ou as filosofias do Conhecimento
e da Religião. Hoje perdemos quase totalmente a concepção
de Natureza em totalidade. Vivemos por entre representações
fragmentares, sectoriais da Natureza. O próprio conceito
de Ambiente – que indica a(s) Natureza(s) numa relação
arriscada com a humanidade – partilha dessa viragem
para o modelo da fragmentação.
Essa mudança de perspectiva ficou a dever-se à
vitória da revolução tecnocientífica,
de que a filosofia moderna foi a principal autora. O desaparecimento
de uma concepção de “Natureza” tem
como causa o facto de, para o operar técnico, que é
por essência analítico, espartilhado e sectorial,
já não fazer falta uma “visão do
mundo” (Weltanschauung). O que interessa hoje é
a produtividade cega, o trabalho como fim em-si-mesmo, enquanto
transformação do que é dado naturalmente
(mesmo a “natureza humana”...).
A Filosofia intervém como um exercício fundamental
na demanda pela genealogia e pelo foco de fuga desta situação
crítica a que chegámos. A crise do Ambiente
obriga-nos a repensar a Natureza, pois a sua falta é
dolorosa e indirecta. As catástrofes ambientais indicam-nos
a presença poderosa de uma Natureza, sempre mais complexa
do que as nossas representações, e que durante
trezentos e cinquenta anos tudo fizemos para silenciar.
Quais as possibilidades do saber?
A tarefa do saber é a de ser o guardião e o
garante da continuidade da aventura humana a caminho da noosfera
e da abertura dos horizontes da complexidade. O saber deve
ser vigoroso, resiliente e ter um pacto fundamental com as
“pulsões de vida”, no sentido freudiano.
A sombra mortífera do saber é a amargura perante
o mal e a barbárie. O saber às vezes pergunta-se,
perante o espectáculo desmesurado do festim da mediocridade
que governa o mundo: “Será que vale mesmo a pena?”.
Essa pergunta é terrível, sobretudo porque abre
a porta à vacilação. Por essa porta poderá
entrar um dia o triunfo da simplificação extrema:
a autofagia e a auto-destruição da odisseia
humana.
O saber não precisa só de ser sábio.
Precisa de ser duro como o mais forte dos guerreiros.
A história do ambiente tem becos
sem saída?
Não sabemos se a humanidade irá ser capaz de
domesticar as forças entrópicas que estão
à solta, e que foram por si própria libertadas.
Há cinquenta anos, em textos diferentes e talvez sem
mútuo conhecimento, Bertrand Russell e Hannah Arendt
interrogavam-se, seriamente, sobre se o frenesim tecnológico
em que estamos mergulhados não iria terminar na maior
passividade de sempre. Essa interrogação é
hoje mais séria do que nunca.
O que sabemos é que a «questão ambiental»
é hoje o problema fulcral. Os alinhamentos fundamentais
terão de ser feitos em torno do ambiente. O resto,
incluindo as questões sociais e económicas,
ou se harmonizam (é isso o desiderato do conceito de
desenvolvimento sustentável) com as questões
ambientais, ou entraremos numa espécie de «Idade
do Gelo» do Espírito.
Considera preferível a actual
hegemonia norte-americana ao anterior equilíbrio frio?
A guerra-fria está enterrada e só posso desejar
que aí permaneça. Julgo que a pergunta parte
de um pressuposto utrapassado. Até 1999 poderíamos
antecipar um futuro vigoroso para os EUA. Esse país
tinha margem de manobra para organizar a passagem de um «momento
unipolar» para uma nova ordem multipolar. Essa situação
perdeu-se completamente com a Administração
George W. Bush. Hoje o poder e a influência norte-americanas
estão mais baixas do que nunca. Veja-se o modo como
o Presidente norte-americano aceitou eleger um chefe tribal,
Osama Bin Laden, como seu inimigo, em vez de o reduzir à
sua real insignificância! Esta administração
foi e é uma desgraça para a América e
o Mundo. As suas consequências vão durar indefinidamente.
Bush é uma espécie de mistura entre duas catástrofes
americanas: a Guerra Civil e a Grande Depressão. Depois
dele a América e o Mundo não serão os
mesmos.
Como são as suas paisagens
da fé?
Se tiver de encontrar uma designação para mim
próprio neste domínio, então sou um agnóstico.
O que não tem nada a ver com o ateísmo, que
é para pessoas que vivem num mundo ainda mais limitado
do que aquelas que fecham Deus na clausura dos seus dogmas.
Há muito anos, numa revista francesa dedicada ao tema
dos celibatários, perguntava-se na capa: “Celibatário,
sim, mas com quem?” O mesmo acontece com o agnosticismo.
Ele tem a marca da matriz religiosa de origem. Reconheço
abertamente que sou um agnóstico de proveniência
católica e isso marca, certamente, a minha visão
do mundo.
A minha principal diferença com o Catolicismo, e outras
correntes do Cristianismo, todavia, é a seguinte: a
condição humana até hoje nada fez para
merecer Deus, ainda menos um Deus pessoal que por ela se teria
sacrificado como pessoa, como um de nós.
Deveríamos fazer tudo para merecer Deus, para ir ao
fundo da nossa humanidade, para além de nós
próprios, em vez de nos matarmos para ter o exclusivo
da sua Palavra Revelada. |
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