Miguel B. Araújo
“O ‘ciclo destruidor’
é uma consequência da natureza humana e não
da sociedade humana moderna.” Qual
a importância da razão dos outros?
Toda. Não existe pensamento que seja verdadeiramente
original; isto é, um pensamento que seja independente
do pensamento dos outros. Para progredir partimos sempre de
uma base e esta constitui o fermento para novas ideias. Mesmo
os grandes pensadores, os que a História associa a
grandes descobertas, geraram progresso com base em ideias
anteriores e frequentemente erradas. É neste contexto
que gosto de recordar a frase de Claude Lévi-Strauss:
"L'objectif reste le même; détruire le préjugé.
Mais pour l'atteindre il faut s'ouvrir à la raison
des autres".
Acredita na inversão do ciclo
destruidor do Homem sobre a Natureza?
Não sou fervoroso adepto da dicotomia que apresenta.
O ser humano é parte da natureza e não é
o impacte que nela exerce que altera este facto. Há
quem tenha colocado a questão do seguinte modo: "humans
are both part and apart from nature" mas convém
referir que o alegado ciclo destruidor tem acompanhado a humanidade
desde que o Homo sapiens saiu de África. Ou seja, o
“ciclo destruidor” é uma consequência
da natureza humana e não da sociedade humana moderna.
Por exemplo, sabe-se que a colonização da América
do Norte, por parte do ser humano, há cerca de 11.500
anos, terá estado na origem da extinção
de 73% dos géneros de grandes mamíferos desta
região (o bisonte gigante, o cavalo selvagem, o mastodonte,
entre outros). O mesmo ter-se-á verificado na América
do Sul, há 8.000 anos, com a extinção
de cerca de 80% dos géneros de grandes mamíferos
(armadilhos, capivaras gigantes, entre outros). A história
repete-se na Austrália, no Havai, em Madagáscar,
na Nova Zelândia e mesmo na Europa. Tendo em conta o
conhecimento que temos destes factos é difícil
não ser levado a concluir que é pouco provável
que algum dia estejamos à altura de inverter o ciclo
de alteração do ambiente que nos rodeia.
No entanto a questão que importará perguntar
é qual o sentido dessas alterações? O
nosso impacte sobre o planeta é tal que começamos
a sentir alguns dos seus efeitos negativos. Durante muito
tempo o ciclo de transformações operadas sobre
o ambiente natural foi no sentido de melhorar a habitabilidade
das regiões para o ser humano. É indiscutível
que a Europa humanizada é mais confortável,
para o ser humano, que a Europa das florestas naturais primaveris
onde abundavam feras e doenças. A ruralização
e urbanização da paisagem contribuiu para a
degradação, muitas vezes irreversível,
do património natural mas o objectivo de melhoria da
qualidade de vida das pessoas foi, de grosso modo, alcançado.
Actualmente começamos a sentir o “reverso da
medalha” de muitas destas alterações.
Existem doenças associadas à excessiva artificialização
dos nossos modos de vida, existem problemas globais que podem
comprometer o nosso modo de vida e existe uma tendência
social de retorno à simplicidade da natureza. Talvez
estes factos contribuam para que a humanidade inverta a intensidade,
ou mesmo a direcção, do ciclo de degradação
da natureza. Mas ainda é cedo para ser peremptório
a este respeito.
Que mudanças na qualidade de
vida vamos sentir daqui a 20 anos, devido as alterações
climatéricas entretanto registadas?
Para responder à sua pergunta teria de possuir uma
bola de cristal. O que lhe posso dizer é que existem
modelos que prevêem mudanças nas condições
climatéricas do planeta. As mudanças, quaisquer
que sejam, geram desequilíbrios pontuais e estes requerem,
para ser ultrapassados, processos de adaptação.
Seremos capazes de nos adaptar às alterações
climáticas previstas? Quero crer que sim – fizemo-lo
no passado e não vejo razão porque não
o possamos fazer no futuro – mas não creio que
tal aconteça sem custos elevados. O montante destes
custos dependerá, por um lado, da magnitude das mudanças
(que não são independentes do quantitativo de
emissões de gases com efeito de estufa) e por outro,
da celeridade com que as medidas de adaptação
forem adoptadas.
Porque é que o Mediterrâneo
é tão sensível às alterações
climatéricas, particularmente a Península Ibérica?
As mudanças comportam desafios e a questão é
saber se esses desafios se traduzem em aumentos inevitáveis
de vulnerabilidade ou se, pelo contrário, abrem novas
oportunidades. Os modelos climáticos que dispomos prevêem
um aumento generalizado das temperaturas na Europa durante
o século XXI. No centro e norte da Europa prevê-se
que esse aumento de temperatura seja, por vezes, acompanhado
de aumentos de precipitação. Esse aumento de
precipitação poderá aumentar a vulnerabilidade
a cheias de verão e a conjugação do aumento
de temperaturas com precipitação poderá
causar o degelo de áreas montanhosas o que afectaria
negativamente o turismo de alta montanha assim como a biodiversidade
associada a estas as regiões. Todavia, o aumento de
temperatura e precipitação terá também
como consequência o aumento da produtividade primária
bruta. Este facto poderá criar novas oportunidades
para o turismo mas também para a agricultura e florestas
nas regiões do centro e norte da Europa.
Ora, no Mediterrâneo, os modelos prevêem aumentos
moderados de temperatura e diminuições de precipitação
(por exemplo, um dos cenários aponta para reduções
de precipitação de verão na ordem dos
27% para a Península Ibérica); por outras palavras,
prevê-se um aumento generalizado da aridez. Tendo em
conta que várias regiões do mediterrâneo
se encontram, actualmente, em situações de défice
hídrico – como é o caso particular da
Península Ibérica – é difícil
conceber que uma redução da precipitação
ajude a criar novas oportunidades para o desenvolvimento das
actividades humanas. É, assim, uma mudança que,
a verificar-se, comporta vulnerabilidade e poucas, ou nenhumas,
oportunidades.
Nunca perde uma oportunidade
para se surpreender?
No dia em que o fizer, terei de mudar de ramo. |