Patrícia Almeida
Carvalho
“Imagine-se um mundo sem banheiras
nem trompetes.” Quais
os últimos progressos feitos na circumnavegação
da verdade?
A circumnavegação da verdade é uma arte
que atingiu recentemente o seu auge no discurso político
Português. Neste momento, como a realidade nos aparece
incontornável e já não há contorcionismos
políticos que nos consigam surpreender, podemos inferir
que esta corrente artística entrou, senão em
decadência, pelo menos num período de estagnação.
De facto, tornou-se evidente que só uma definição
séria de estratégias de desenvolvimento económico
e social poderá substituir a liderança decadente
que temos tido. Parece haver um reflexo desta evidência
na performance dramática do governo actual...
Quais as qualidades dos defeitos?
Os defeitos devem ser entendidos como desvios à perfeição
imaginada; compreender a sua origem ajuda-nos a aprofundar
o conhecimento da natureza. Uma das áreas mais interessantes
em Ciência dos Materiais é a análise de
defeitos cristalinos. Se imaginarmos uma liga constituída
por átomos do tipo A e por átomos do tipo B,
ao empilhamento organizado destes átomos poderemos
chamar cristal. Uma estrutura cristalina perfeita poderia
ser obtida, por exemplo, pelo empilhamento alternado de camadas
de A e de B ad infinitum. No entanto, se por um qualquer motivo
nalgum local do cristal existirem consecutivamente duas camadas
do mesmo tipo, isto é, se a sua secção
apresentar uma sequência do tipo: …ABABABBABABA…,
teremos um defeito cristalino (região sublinhada) a
que se chama falha de empilhamento. Este tipo de defeitos
tem uma influência determinante na deformação
permanente dos materiais, que se obtém fazendo escorregar
planos de átomos uns sobre os outros. Sem defeitos
cristalinos nenhuma chapa metálica seria passível
de ser deformada por estampagem ou dobragem, e imagine-se
um mundo sem banheiras nem trompetes. A optimização
dos materiais em função da sua aplicação
passa muitas vezes pela definição do tipo e
número de defeitos favoráveis, indução
da sua presença e selecção por forma
a eliminar-se os que não propiciam propriedades interessantes.
O que há depois da beleza?
A beleza entendida como geradora de atracção
física é íntima da juventude. Depois
desta beleza há tudo o resto, mas a sua importância
é indiscutível. Esta questão que costuma
atormentar mais as mulheres do que os homens, é apresentada
com clareza no livro “Sex differences, developmental
and evolutionary strategies” de Linda Mealey (Academic
Press). Os dados antropológicos dizem-nos que para
as mulheres, e em média, a atracção física
atinge o seu auge aos 22 anos, o que coincide com o pico de
fertilidade. Recomendo a leitura deste livro a quem tem curiosidade
em entender estas e outras verdades desconcertantes (tais
como, a relação entre dimorfismo sexual e a
poligamia/monogamia, a razão de na espécie humana
as fêmeas viverem décadas depois da idade fértil,
etc.).
Que medidas podiam ser tomadas para
rentabilizar a investigação feita na sua área,
em Portugal?
Infelizmente penso que nenhumas, e reiterando a infelicidade,
tanto na minha área como em muitas outras. Penso que
em geral o tecido industrial (que não pode ser dissociado
da administração estatal envolvente) tem dado
provas de não conseguir interessar-se pelos benefícios
que a investigação científica lhe possa
trazer. Também porque não tem podido preocupar-se
senão com a sobrevivência a muito curto prazo.
É evidente que há alguns casos de sucesso na
cooperação e transferência de conhecimento
entre instituições científicas e a indústria
Portuguesa. Por outro lado, é importante salientar
que a maior parte dos projectos de investigação
desenvolvidos em Portugal envolve investimento e colaboração
com indústria, só que não Portuguesa.
Penso que a investigação feita em Portugal terá
sempre uma rentabilização global, mas temo que
a transferência de conhecimento científico para
a indústria Portuguesa possa ser em muitas situações
um mau investimento. É interessante reparar, por exemplo,
que países como Inglaterra tenham vindo a deslocalizar
a indústria para o leste Europeu, China e Índia,
ao mesmo tempo que se desenvolvem na área financeira.
Penso também que estas constatações não
implicam necessariamente uma catástrofe para Portugal.
Será sim necessário que se definam estratégias
sérias de desenvolvimento que passem também
pelo investimento no aproveitamento dos nossos recursos, tais
como floresta, hospitalidade e recursos paisagísticos,
energia solar e eólica, vinho, cortiça, queijo
de ovelha. Há tanto a fazer. Por exemplo, a utilização
de energia solar para aquecimento doméstico é
hoje reconhecidamente eficaz para níveis de exposição
equivalentes aos do Sul da Alemanha. Porque é então
tão complicada e pouco eficiente a instalação
de painéis solares nas casas portuguesas?
Até que ponto a segunda
lei da termodinâmica ainda é aplicável?
A segunda lei da termodinâmica é uma lei de aplicação
universal que basicamente declara que um aumento de ordem
num determinado local de um sistema isolado (isto é
um sistema que não troca matéria ou energia
com o exterior) é sempre acompanhado por um aumento
de desordem de tamanho igual ou superior noutro local desse
sistema. É uma lei que tende a induzir uma certa angústia
a quem costuma fazer a lida da casa e se preocupa com o exterior
do seu ecossistema privado. |