João Lin Yun
“Uma mente que se treina no raciocínio
científico traz grandes benefícios ao seu dono.”
O que é que de infantil
preside ao fascínio pela Astronomia?
Mais do que “infantil”, a esse fascínio
pela Astronomia, eu chamaria “primordial”! A Astronomia
vai de encontro à nossa necessidade primordial de compreender
o Universo.
A Astronomia, através da contemplação
e descoberta do Universo gigantesco, é possivelmente
de todas as ciências a que mais se aproxima deste ideal
de reencontro com o misterioso, com o Universo que nos transcende,
com as nossas origens, que as pessoas, consciente ou inconscientemente
tanto anseiam... E quem sabe, a contemplação
das leis do Universo, pode ajudar a preservar uma das características
principais que fazem de nós seres humanos: o deslumbramento
de sermos tão pequenos e efémeros num Universo
que se rege por leis de grande beleza estética, e a
consciência de que é um Universo que faz sentido,
gostemos ou não do papel que nele desempenhamos.
Gosta de ensinar?
Muito! A primeira actividade profissional que descobri que
gostava muitíssimo de fazer foi dar aulas. Essa descoberta
aconteceu quando o fiz pela primeira vez, no ensino básico
e secundário, durante a década de 80. Para além
de ser sempre interessante relacionar-me com as mentes irrequietas
dos jovens, é também muito gratificante para
mim ver a satisfação das crianças e jovens
quando aprendem efectivamente, aquele brilho nos seus olhos,
o espanto nos seus rostos, a alegria de perceber as coisas!
Mas ensinar é claramente uma profissão de vocação
e não é uma profissão fácil. Por
isso, aproveito para relembrar a grande responsabilidade e
dignidade que ser professor representa. Quando escolhemos
ser professores, escolhemos ser responsáveis por uma
parcela, maior ou menor, da vida de muitos seres humanos jovens
que podem construir um País mais desenvolvido e mais
justo. Por isso, quando escolhemos ser professores, escolhemos
uma profissão de elevada dignidade e impacto social,
que nos pode trazer uma das melhores sensações:
a de contribuirmos para a descoberta, o fascínio, a
aprendizagem, o futuro dos novos cidadãos do nosso
mundo. Para isto acontecer, o ensino tem de ser fortemente
apoiado e dignificado por toda a sociedade, pois perder a
batalha do ensino significa o sub-desenvolvimento científico,
económico e social para Portugal.
Porquê seguir uma carreira em
Ciência?
Em primeiro lugar, é importantíssimo que se
escolha fazer uma coisa que se gosta. Partindo desta hipótese,
de que alguém gosta de Ciência, porquê
seguir uma carreira em Ciência? Pois por muitas razões,
das mais evidentes às mais subtis.
Começo pelas primeiras: o mundo em que vivemos é
um mundo permeado de ciência. Não existe quase
nada nas nossas sociedades contemporâneas que não
tenha a ver com ciência. Pastas de dentes, forno de
micro-ondas, telemóveis, vacinas, transportes, a lista
é interminável. Para podermos estar o mais à
vontade possível no nosso mundo e fazer escolhas correctas
e vantajosas, torna-se importante saber o máximo de
ciência. Quem não domina um mínimo de
novas tecnologias vê dificultadas as suas possibilidades
de arranjar um bom emprego. Além disso, as carreiras
científicas têm um prestígio social elevado.
Inquéritos à escala mundial revelam que os cientistas
são das classes profissionais em que mais cidadãos
confiam, à frente dos jornalistas e dos empresários,
para já não falar dos políticos que figuram
em último lugar!
Depois há as vantagens mais subtis de se obter um treino
científico. Uma mente que se treina no raciocínio
científico (e que não se feche às outras
dimensões, instintivas e emocionais, que compõem
a vida psíquica humana) traz grandes benefícios
ao seu dono. Confere-lhe a capacidade de análise de
situações que caracteriza a inteligência,
a capacidade de abstracção que lhe permite uma
vida psíquica mais rica, e o rigor e a honestidade
que as regras científicas naturalmente exigem. Finalmente,
quem segue uma carreira científica, normalmente fá-lo
porque possui uma curiosidade muito grande, deseja compreender
o mundo que o rodeia e o prazer dessa compreensão muitas
vezes não tem preço.
Em que medida o estudo da Astronomia
pode contribuir para a libertação humana?
Para além do enorme incentivo que a Astronomia tem
dado ao desenvolvimento
científico e tecnológico, existem outras
razões fundamentais, que tornam a Astronomia tão
importante: a sua capacidade de dar prazer e a sua contribuição
para a libertação humana!
Sabemos hoje que o cérebro humano se desenvolve melhor,
aprende melhor quando os assuntos que lhe são apresentados
são interessantes. Sabemos também que o cérebro
humano é sedento de conhecimento. O estabelecimento
de sinapses, conexões entre os neurónios, parece
ser uma actividade fundamental para a vida e que envolve um
mecanismo de auto-recompensa que inclui o prazer: o prazer
do conhecimento, o prazer da descoberta.
Ora os temas do Espaço, pelo fascínio que encerram,
motivam crianças e adultos para a aprendizagem. Basta
assistir a uma palestra pública de Astronomia para
verificar o brilho nos olhos daqueles que estiveram presentes.
Saem dela enriquecidos, os seus cérebros ainda digerindo
a informação que receberam sobre assuntos enigmáticos
de que sempre quiseram saber um pouco mais. Saem enriquecidos,
os seus corações algo reconfortados, algo desconcertados
pelo infinito por cima das suas cabeças.
É comum reconhecer que conhecimento é libertador
(talvez por isso, as ditaduras nunca foram amigas da divulgação
do conhecimento). E a Astronomia certamente que nos ajuda
a libertarmo-nos. Por exemplo, ajuda-nos a libertarmo-nos
do medo, do medo do destino pré-determinado por estrelas
ou cometas. Devolve-nos o poder de intervir nas nossas vidas,
deixamos de estar à mercê dos elementos cósmicos
ou dos ditadores.
Através da Astronomia, no tempo de Galileu, teve lugar
o começo do fim do controle da Igreja sobre os pensamentos
das pessoas. E embora Giordano Bruno tivesse sido queimado
na fogueira, também aqui foi mais uma vez o Universo
quem riu por último. Em Portugal, os investigadores
em Astronomia esforçam-se hoje para conseguirem não
ser uma espécie ameaçada de extinção,
e não tenho dúvidas de que mais tarde ou mais
cedo, será de novo o Universo quem levará a
melhor. E na música da risada poderosa do Universo,
dançarão todos os amantes desta bela Ciência
que é de todos nós: a Astronomia.
Qual a verdadeira situação
da Ciência em Portugal?
Não serei talvez a pessoa mais indicada para responder
a esta pergunta. Com os dados que tenho, posso apenas exprimir
o que sei, e sobretudo nas áreas que me são
mais próximas.
Portugal partiu de uma situação de extremo sub-desenvolvimento
científico mantido durante a maior parte do século
XX. Nos últimos dez ou quinze anos do século
XX, graças a fundos comunitários e a algumas
pessoas com mais visão, o desenvolvimento científico
em Portugal acelerou fortemente (possivelmente a primeira
vez desde a época dos Descobrimentos em que a Ciência
da altura, aplicada sobretudo às navegações
devido à sua grande importância, era apoiada
pelos reis). Devido a esse investimento, Portugal recuperou
bastante começando a aproximar-se dos números
de outros países mais desenvolvidos da União
Europeia. Os números melhoraram efectivamente mas as
mentalidades e estruturas melhoraram menos. A investigação
científica em Portugal é feita maioritariamente
nas universidades e estas, em geral, mantêm mentalidades
e estruturas desadequadas, sistemas um pouco feudais onde
hierarquias ocas e interesses individuais por um lado, ou
a indiferença e apatia por outro, tolhem por vezes
o dinamismo e inovação dos mais jovens. Por
outro lado, o investimento público feito no final do
década passada foi fortemente reduzido em 2002, pelo
que é incerto nestes tempos actuais de fortes contenções,
qual o futuro do desenvolvimento científico em Portugal.
É que em Portugal, ao contrário do que se passa
em países mais desenvolvidos e de maior dimensão,
as empresas ainda pouco investem em Ciência e por isso
também não retiram os benefícios que
poderiam recolher desse investimento.
O investimento público permitiu a formação
e qualificação de recursos humanos (doutorados)
tendo neste ponto sido bastante bem sucedido. Infelizmente,
não é ainda claro como irá Portugal aproveitar
esses recursos humanos de grande qualidade, arriscando-se
a perder para o estrangeiro grande parte destes recursos.
A Comissão Europeia disse já que a Europa necessita
de pelo menos meio milhão de cientistas nos próximos
anos. Os Estados Unidos da América têm preenchido
as suas necessidades com estudantes provenientes maioritariamente
da Ásia. A Alemanha contrata já muitos especialistas
de Informática provenientes da Índia. Irá
Portugal deixar perder os seus mestres e doutores?
Quão cara pode sair a
ignorância?
Creio ser já bastante conhecida a frase de um prémio
Nobel da Economia de Harvard (de cujo nome não me recordo):
“Se acham cara a educação, experimentem
quanto vos custará a ignorância”.
A esta frase juntaria a de Benjamim Franklin: “Investir
em conhecimento é o que traz maior rentabilidade”.
A ignorância tem custos enormes, mais uma vez dos mais
óbvios aos mais subtis. Para além de implicar
atraso e sub-desenvolvimento económico, bloqueia o
acesso dos cidadãos a uma satisfação
mais profunda, a uma realização pessoal mais
humana.
A Comissão Europeia deu um sinal claro de que a prioridade
dos fundos estruturais deve deixar de ser o betão (projectos
de infra-estruturas físicas como estradas e edifícios)
e passe a ser a qualificação e os recursos humanos
(aposta na inovação, desenvolvimento tecnológico
e aumento de competitividade).
Mais do que nunca, torna-se claro que se não quisermos
limitarmo-nos a ser um país de baixas qualificações
em que os nossos filhos e netos podem encontrar emprego apenas
na indústria hoteleira, há que combater a ignorância,
investir em recursos humanos, na sua qualificação,
na educação e investigação. Mais
do que despender em infra-estruturas pesadas, gastar dinheiro
com as pessoas passou finalmente a ser algo a encorajar, como
primeira prioridade, como um investimento para garantir o
futuro. Equipamentos sem pessoas que os saibam utilizar, sem
know-how, ficam inertes, sub-aproveitados e esses
sim representam dinheiros mal-gastos.
Combater ou não a ignorância, através
de medidas realmente eficazes de educação e
qualificação, representa a escolha do mundo
que queremos para Portugal. Queremos o mundo do sub-desenvolvimento
e do trabalho não-qualificado, onde todos os empregos
são no turismo, a servir os habitantes dos países
que esses sim ousaram investir na qualificação
das pessoas, no desenvolvimento, na ciência e na tecnologia?
Ou o mundo de cidadãos qualificados, produtores de
conhecimento e de empregos mais criativos e mais conducentes
a uma realização pessoal genuína e humana? |