Hélder Maiato
"Corpo são em mente sã."
A multiplicação
é um milagre?
Sem querer entrar por campos epistemológicos, no caso
da multiplicação celular, está claramente
demonstrado que o ‘milagre’ acontece porque existe
uma regulação genética e uma série
de sistemas de controlo já conhecidos que assistem
a este processo. Pela simples manipulação desses
reguladores é possível induzir células,
que normalmente não estão em proliferação
activa, a entrar num processo de multiplicação.
Um exemplo prático é o caso dos tumores malignos,
onde por alterações genéticas (hereditárias
ou induzidas por factores ambientais) as células entram
num estado crónico de multiplicação.
Um número anormal de cromossomas
pode ser a causa ou a consequência do cancro?
Isto representa um dilema muito presente na área de
investigação do cancro, para o qual ainda não
há uma tendência de resposta. Isto porque existe
suporte experimental para ambos, ou seja, um número
anormal de certos cromossomas num determinado contexto pode
levar a um aumento da influência de determinados genes
sobre outros, quer estejam a mais ou a menos, o que poderá
conferir características vantajosas de selecção
num determinado ambiente e consequente proliferação.
Por outro lado, a disfunção de determinados
genes chave, que por exemplo estejam envolvidos no próprio
processo de multiplicação, possa estar associada
a alguns tipos de cancro e estar na base do aparecimento de
um número anormal de cromossomas, pelo simples facto
da maquinaria molecular necessária ao processo não
ser eficiente. E voltámos outra vez ao início…
Como se interfere em tempo real com
a mitose?
Hoje em dia, dado o avançado conhecimento dos processos
moleculares por detrás dos processos biológicos
(por exemplo, a disponibilidade de genomas descodificados
e o conhecimento básico sobre a regulação
da expressão genética) existem várias
‘ferramentas’ moleculares que permitem interferir
com a função de vários genes em células
vivas.
Paralelamente, os enormes avanços ao nível da
óptica, física e engenharia permitiram o desenvolvimento
de microscópios cada vez mais ‘potentes’
e versáteis, possibilitando a observação
em tempo real dos processos biológicos celulares. Se
combinarmos a capacidade de interferir com genes essenciais
para a mitose com a possibilidade de podermos avaliar através
do microscópio as consequências para a célula
durante o momento da divisão, estamos a interferir
em tempo real com a mitose. Esta é a perspectiva do
biólogo celular…contudo, se olharmos para a perspectiva
médica, interferir em tempo real com a mitose é
aquilo que se pretende por exemplo com a quimio ou radioterapia,
onde através do uso de drogas ou determinadas radiações
se pretende matar as células durante a mitose (que
é o período em que a célula está
mais vulnerável), impedindo assim a proliferação
celular e o controlo do cancro.
Em que estado está o seu estudo
do movimento dos cromossomas?
Está em curso…estamos neste momento a desenvolver,
com apoios da Fundação Luso-Americana para o
Desenvolvimento e a Fundação Calouste Gulbenkian,
um sistema de microcirurgia laser que nos permitirá
perceber qual a contribuição de determinadas
estruturas celulares durante o processo da mitose e consequentemente
para o estudo do movimento dos cromossomas.
Desta forma pretendemos acrescentar ao leque de possibilidades
de experimentação em tempo real durante a mitose
uma ferramenta adicional, que quando combinada com as modernas
técnicas de biologia molecular permitirá responder
a perguntas que de outra forma não seria possível.
Hoje em dia já sabemos de que é que depende
o movimento dos cromossomas, não sabemos é por
exemplo como é que as células respondem quando
interferimos com esse factor como no caso da quimioterapia.
Não sabemos também que processos estão
por detrás da plena funcionalidade desse factor e sobretudo
o que faz com que a divisão equitativa dos cromossomas
ocorra sempre (ou quase sempre…) com sucesso, ou seja,
quais os mecanismos de controlo de qualidade.
Qual a sua interpretação
da máxima “mente sã em corpo são"?
A minha interpretação é textual, e algo
que tenho para mim como filosofia de vida. Durante a minha
adolescência e até há bem pouco tempo
foi algo ‘sagrado’ para mim. Sempre pratiquei
desporto, passando até pela alta competição,
agora é mais “corpo são em mente sã”,
uma vez que tento fazer algum desporto para tentar manter
uma certa sanidade mental e de alguma forma funcionar como
válvula de escape a uma vida extremamente agitada e
cada vez com mais e maiores responsabilidades. |