Carlos Fiolhais
“Há inovações
que a princípio parecem inocentes mas depois são
esmagadoras.”
Que importância dá à
facilidade de comunicação para avaliar um investigador?
A avaliação é uma das grandes marcas
da investigação científica: esta é
talvez a actividade humana em que a crítica assume
um papel mais central.
Um investigador deve ser avaliado em primeira linha pela investigação
que realiza. A publicação de artigos e livros
científicos deve passar pelo crivo da avaliação
pelos pares ("peer review"). O índice de
impacto da revista e a contagem de citações
medem a qualidade dos trabalhos publicados. De certa maneira
está-se a entrar aí com a facilidade de comunicação:
se o artigo não for suficientemente claro o artigo
ou não é publicado ou, se publicado, não
é lido.
Outra medida do investigador é o número e qualidade
dos discípulos que forma, o que por vezes tem a ver
com a qualidade das aulas ou seminários que dá
e, portanto, pela facilidade de comunicação
que ele aí revela... Deve-se ser claro para os alunos.
Mas há mais: Hoje em dia, num mundo em que a cultura
científica é reconhecida, pode e deve ser valorizada
a facilidade de comunicação dos cientistas com
o público em geral. Essa facilidade pode ser medida
pelo número e qualidade dos artigos de divulgação
de ciência, ou pelos programas de rádio, televisão
ou páginas da Internet, ou ainda por projectos de extensão
cultural (exposições, conferências, etc.).
É bom que se seja claro não só para os
colegas e para os alunos como para toda a gente. Mas pode
ser-se um bom investigador sem se ser um bom comunicador com
o público e pode ser-se um bom comunicador com o público
sem se ser um bom investigador. Nos casos em que se é
ao mesmo tempo um bom investigador e um bom comunicador com
o público, tanto melhor, claro.
Podem os académicos distanciar-se
do grande público?
Poder, podem, mas julgo que não devem. Não ganham
nada com isso. Se formos a ver bem é o grande público
que paga o trabalho dos académicos. É natural
que exija em troca não só compensações
materiais (a tecnologia, que é o “braço
armado” da ciência) mas também compensações
intelectuais (a ciência, que consiste em visões,
explicações do mundo). Para isso tem de ser
pequena a distância entre os cientistas e o público.
Pode haver intermediários entre os dois - os media
são insubstituíveis - mas esses intermediários
devem encurtar a distância. O público quer, em
geral, saber. Quem tem o saber deve dar-lho em doses sábias.
De resto, as missões da universidade moderna não
são só criar e transmitir localmente o saber,
mas sim emiti-lo para a sociedade em seu redor, se possível
até para longe. As universidades devem ser centros
de cultura, incluindo nesta a cultura científica, a
cultura proporcionada pela ciência.
O que é a verdade em ciência?
E quais são as suas principais divergências pessoais
relativamente a verdades estabelecidas?
Acho que não há verdade na ciência. Há,
isso sim, uma procura permanente da verdade? Apetece-me fazer
minha a sua pergunta: o que é de facto a verdade na
ciência? A história da ciência mostra que
a verdade é algo intangível, embora ela possa
sempre ser perseguida. Mais do que a procura da verdade, a
ciência é a procura do erro. Procuramos errar
cada vez menos. O que fica, depois de descartados os erros
mais óbvios, podemos chamar verdade. Mas é uma
verdade provisória, pois pode haver erros subtis que
ainda não vimos.
Não tenho grandes divergências pessoais contra
verdades estabelecidas pois isso seria alguma arrogância
da minha parte. No meu trabalho de investigação
vou descobrindo alguns erros, mas são coisas pequenas.
Qual a relevância da divulgação
científica fora das escolas para o progresso da ciência?
Subentende-se que a escola é fundamental para a divulgação
científica.
Nada pode substituir a educação formal, a educação
na escola, um instrumento inventado há milhares e milhares
de anos pela humanidade. Mas a educação informal,
feita fora da escola (nos media, ou em museus de ciência,
etc.), é de facto um instrumento complementar importante.
De resto, as pessoas costumam revelar em inquéritos
que, em geral, é mais o que sabem sobre a ciência
recolhido nos media do que recolhido na escola. A boa divulgação
científica, transmitida por filmes, teatros, imprensa,
televisão, Internet pode até “contaminar”
a escola, combatendo alguma inércia desta. O progresso
da ciência depende desse trabalho de divulgação
feito fora das escolas mas que acaba por influenciar a escola.
São precisos constantemente novos talentos, jovens
que se interessem pela ciência. Mas não é
só o progresso da ciência que está em
causa quando se refere a divulgação científica,
mas sim o progresso de toda a sociedade, para o qual o progresso
da ciência contribui. Sim, os cientistas sabem que em
ciência há progresso (nomeadamente quando se
descobre um erro bem entranhado) e que na sociedade em geral
há também progresso (a sociedade de hoje difere
muito, para melhor, da antiga sociedade egípcia). Os
cientistas são progressistas!
A inovação é
mesmo necessária?
Evidentemente. É imprescindível ao tal progresso.
Progresso significa que há uma diferença entre
o amanhã e o ontem. Essa diferença surge por
vezes muito nitidamente sob a forma de processos de inovação,
de descobertas, pequenas ou grandes, que marcam o mundo. A
inovação é uma das características
do mundo moderno. E ela não acontece por acontecer.
Acontece porque a ciência está viva... Quanto
mais viva estiver a ciência, maiores serão as
possibilidades de inovar. E há inovações
que a princípio parecem inocentes mas depois são
esmagadoras. Estou-me a lembrar-me por exemplo do transístor,
o interruptor electrónico inventado no fim da guerra.
No início, em 1947, era só um, criado por três
físicos. Mas hoje em dia vivemos rodeados por milhares
e milhares de transístores. Já não conseguimos
viver sem eles, escondidos dentro dos nossos frigoríficos,
das nossas televisões, dos nossos telemóveis,
etc. E o mundo de amanhã, graças a inovações
que estão por vir, é hoje dificilmente imaginável. |