Fernando Simões
“Gostaria de colocar um pé
na superfície gelada de Titã.”
Quais as suas passagens
favoritas de ficção científica?
Habitualmente interesso-me mais pelas ideias, conteúdo
e enredo da história, do que pelos efeitos especiais
espectaculares. Por essa razão prefiro o filme 2001,
Odisseia no Espaço em detrimento de Guerra das Estrelas.
Utilizando o mesmo critério posso afirmar que me inspira
mais o livro Titan, de Stephen Baxter (editora Harper Collins
Publishers na versão original, pois não sei
se está editado em Portugal), do que Contacto, de Carl
Sagan. Se o autor for capaz de esmagar a minha imaginação
tanto melhor, porque aprecio aqueles momentos inesperados
em que sou completamente ultrapassado por ideias revolucionárias.
Quem conhecer o livro de Baxter perceberá facilmente
o que pretendo dizer.
O que é para si cooperação?
Num mundo globalizado em que a competição é
cada vez mais intensa, eu continuo a acreditar que a cooperação
é um elo fundamental na relação entre
pessoas e nações, entre povos e culturas. Para
mim, competição e cooperação são
princípios importantes que se complementam. Por exemplo,
enquanto trabalhei na Agência Espacial Europeia desenvolvi
um instrumento científico para detectar água
e fazer estudos da estratigrafia do subsolo de Marte. Numa
primeira fase o instrumento foi seleccionado para a próxima
missão da ESA ao planeta vermelho. Porém, depois
foi excluído, tal como muitos outros, devido à
drástica redução de massa disponível
para instrumentação científica. Neste
momento volta a ser possível enviar o sensor para Marte
caso exista um verdadeiro interesse da parte das instituições
portuguesas em financiar o projecto. Tudo isto é possível
graças à colaboração internacional
dentro da ESA. O mais interessante é que um dos maiores
cientistas planetários americanos me fez o convite
para enviar o instrumento a bordo da próxima missão
da NASA. Claro que ele não desenvolveu a técnica,
mas eu também não tenho meios para lançar
o instrumento para o espaço. Trata-se aqui de uma ajuda
recíproca em que ambas as partes ficarão a ganhar.
Neste momento o financiamento nacional está difícil,
mas vou continuar a lutar para não perder esta oportunidade,
se calhar única nos próximos anos, para a indústria
e cientistas portugueses. Veremos se somos capazes de cooperar
internamente para financiar este projecto, porque a cooperação
não é só com o estrangeiro, mas dentro
do nosso próprio país. O grande problema é
que, muitas vezes, é mais fácil cooperar com
um parceiro no outro lado do planeta do que com o nosso vizinho.
Se a inoperância, indecisão e desresponsabilização
nacionais vencerem, vou «cooperar» só com
parceiros internacionais e seguir um outro caminho.
Um exemplo paradigmático de cooperação
na área espacial é a missão Cassini-Huygens:
se não existisse compromisso da NASA relativamente
à sonda Huygens, muito provavelmente o Congresso dos
Estados Unidos teria cancelado o projecto Cassini. Por outro
lado, a ESA não tinha à época recursos
próprios para enviar sozinha a sua própria sonda
planetária a Titã.
Qual o significado da bandeira portuguesa
em Titã?
Esta questão é muito interessante e pode ser
vista de múltiplas perspectivas. Por um lado, Portugal
faz parte da ESA, logo também descemos e pousámos
em Titã. Por outro, quando a missão foi desenvolvida
e a sonda lançada o nosso país ainda não
era um estado membro da organização, logo não
contribuímos para o projecto. Em minha opinião,
o mais importante é o que faremos agora. Os cientistas
do projecto publicaram os primeiros estudos sobre Titã
e estamos a terminar a formatação dos dados,
os quais serão públicos em Julho de 2006. A
partir dessa altura qualquer pessoa pode utilizar os dados
livremente, pelo que desejo ver muitos portugueses envolvidos
no estudo de Titã... Para ver quantas bandeiras, quantas
ideias novas, nós seremos capazes de «colocar»
em Titã.
O que podemos aferir do conhecimento
da existência de água em Marte?
Poderemos aprender sobre muitas coisas. Para a maioria das
pessoas Marte é o planeta que mais se assemelha ao
nosso. Existem muitas evidências de que o planeta vermelho
teve água em grandes quantidades no passado, atendendo
à morfologia da superfície. Porém, tal
não sucede nos nossos dias e ninguém sabe ao
certo porquê. A água pode estar armazenada no
subsolo ou ter escapado para o espaço. Além
disso, a presença de água é relevante
em muitas circunstâncias, nomeadamente para o estudo
do clima, da geologia e das temáticas associadas à
vida. De facto, para a maioria dos cientistas, a água
é um ingrediente imprescindível para o desenvolvimento
da vida, pelo que surge assim, logicamente, este interesse
adicional para procurar água em Marte.
O mais interessante é que todos estes assuntos estão
relacionados. Por exemplo, a sonda que desenvolvi para detectar
água em Marte está já a ser utilizada
por uma empresa nacional para outras aplicações.
Deste modo, o interesse do tópico sobre a água
em Marte está a começar a dar frutos aqui na
Terra e desejo ardentemente que o projecto seja bem sucedido,
porque mostrará que Marte está mais perto de
nós do que parece, provando assim também que
a tecnologia espacial pode ser útil lá bem longe,
mas também aqui ao nosso lado.
Se a Lua foi o primeiro marco
para as estrelas, quais os próximos?
Pelos vistos, e de acordo com as visões americana,
chinesa e europeia para o espaço, o próximo
passo será novamente pela Lua, com o grande objectivo
de chegar a Marte. Claro que o impacto de revisitar a Lua
não é aquele que mais estimula o nosso imaginário,
mas serve de base para uma colonização permanente
do espaço. De momento já temos homens e mulheres
a viverem a centenas de quilómetros da superfície
da Terra e por períodos de vários meses, mas
eles ainda estão umbilicalmente ligados ao planeta
que observam bem de perto. Tal como no tempo das grandes viagens
marítimas, creio que a humanidade irá começar
dentro de algumas décadas a explorar pessoalmente «terra
desconhecida», os corpos celestes mais próximos.
Primeiro novamente a Lua, depois Marte, finalmente rumo às
estrelas. Por mim, gostaria de colocar um pé na superfície
gelada de Titã. |