Nuno Sardinha Monteiro
“A Escola Naval, para além
das obrigações académicas, tem o propósito
da formação integral como militares, marinheiros
e chefes.”
Que vantagens concretas
se podem tirar da precisão dos sistemas de DGPS?
Actualmente, o GPS – Global Positioning System, só
por si, já permite uma exactidão que serve o
interesse da maioria dos utilizadores, pois os erros (de acordo
com a documentação oficial americana) oscilarão
entre os 13 e os 36m (95%), embora seja frequente conseguir-se
uma performance ainda melhor. No entanto, para aplicações
mais exigentes a performance do GPS é insuficiente,
recorrendo-se, em quase todos os países desenvolvidos
ao sistema DGPS – Differential GPS, que permite corrigir
os erros do GPS. Posso citar, como exemplos de aplicações
marítimas em que se torna necessário recorrer
ao DGPS, entradas e saídas de portos, calibração
de sistemas inerciais de navegação, dragagens,
levantamentos hidrográficos, posicionamento de bóias
e provas de manobrabilidade de navios, além de algumas
aplicações militares navais (por exemplo, guerra
de minas).
O princípio de funcionamento do DGPS consiste em colocar
um receptor GPS num local de coordenadas conhecidas e comparar
as coordenadas obtidas no receptor GPS com as coordenadas
reais do receptor. A diferença de posição
permite radiodifundir as correcções para os
utilizadores nas proximidades, a partir das quais se consegue
uma exactidão melhor do que 2m (95%).
No entanto, o benefício mais significativo do DGPS
para os navegantes marítimos não é a
melhoria da exactidão mas antes a monitorização
permanente do estado de funcionamento dos satélites
GPS. O sistema GPS não possui qualquer forma de avisar,
em tempo real, os utilizadores da ocorrência de uma
avaria ou falha num satélite. Isto significa que o
GPS pode dar informações erradas durante períodos
alongados, sem ter capacidade de avisar os utilizadores da
disfunção. Esta lacuna do sistema é compensada
pelas estações DGPS que monitorizam, 24 horas
por dia, a qualidade dos sinais GPS visíveis e caso
detectem alguma disfunção ou avaria num satélite
notificam imediatamente os navegantes, permitindo assim retirar
da solução de posicionamento o satélite
avariado e aumentando significativamente a confiança
na navegação.
Foram esses benefícios que levaram a Marinha Portuguesa
a implementar no nosso país uma rede de estações
DGPS, constituída por 4 estações transmissoras
de correcções diferenciais (localizadas no Cabo
Carvoeiro, em Sagres, na Horta e em Porto Santo) e por uma
estação de controlo, localizada na Direcção
de Faróis, a quem compete a operação
e manutenção da rede DGPS nacional.
Porque é mais importante começar
o trabalho de desenvolvimento das Cartas Electrónicas
de Navegação a partir da criação
de normas e só depois criar os produtos?
As Cartas Electrónicas de Navegação são
uma ferramenta poderosa para quem navegue no mar e que, quando
lidas num equipamento certificado (designado por ECDIS –
Electronic Chart Display and Information System), podem substituir
as tradicionais cartas de navegação em papel.
No entanto, mais do que substituir as cartas de papel, as
Cartas Electrónicas de Navegação constituem
uma valiosa ajuda à navegação, pois facilitam
imenso a execução da navegação
e permitem fazê-lo com maior segurança. Apontaria
3 razões para a importância de se ter começado
o trabalho de desenvolvimento das Cartas Electrónicas
de Navegação pela criação de normas.
Em primeiro lugar, o facto de as Cartas Electrónicas
de Navegação em conjugação com
os ECDIS poderem substituir as cartas náuticas de papel,
levou as instituições internacionais competentes
(Organização Hidrográfica Internacional
e Organização Marítima Internacional)
a criar, logo à partida, todo um normativo legal a
que esses produtos electrónicos deveriam obedecer,
de forma a assegurar a qualidade do produto final.
Em segundo lugar, destinando-se as Cartas Electrónicas
de Navegação a serem produzidas por um elevado
número de produtores (nomeadamente, institutos hidrográficos
governamentais) e a serem lidas em equipamentos de diversos
fabricantes, era imperioso normalizar o produto final e só
depois iniciar a sua produção. Caso contrário,
correr-se-ia o risco de alguns equipamentos (ECDIS) não
lerem algumas cartas electrónicas ou só lerem
cartas em determinado formato.
Por último, até há alguns anos atrás,
só os institutos hidrográficos nacionais é
que produziam e distribuíam cartografia náutica,
por as cartas em papel implicarem recursos significativos.
No entanto, com o advento da cartografia electrónica
passou a ser relativamente simples e barato produzir digitalizações
de produtos náuticos e, depois, comercializá-los.
Começaram, assim, a proliferar produtos electrónicos
(a que, por uma questão de rigor, não poderei
chamar cartas). Este foi outro aspecto que motivou as instituições
internacionais competentes a criar todo um edifício
normativo que permitisse delimitar bem o que é uma
Carta Electrónica de Navegação e, assim,
distingui-la de todos os sucedâneos produzidos sem a
mesma qualidade e rigor.
Que soluções inovadoras
concebeu para configurar os sistemas de DGPS?
O DGPS é um sistema maduro e que já se encontra
instalado em cerca de 40 países. Portugal foi o último
país europeu da vertente atlântica a instalar
uma rede DGPS, pelo que foi possível beneficiar da
experiência de outros. No entanto, não nos limitámos
a copiar aquilo que tinha sido feito anteriormente. Investigámos
e testámos de forma exaustiva as melhores maneiras
de optimizar a performance do sistema, até porque,
desde a instalação das estações
DGPS na globalidade dos países desenvolvidos (finais
da década de ’90), tinham ocorrido alterações
significativas no sistema GPS (nomeadamente o fim da Selective
Availability), que alteraram algumas premissas de base da
técnica diferencial. Estes dois factores (o facto de
termos ficado para o fim e essa alteração de
funcionamento do GPS) criaram a oportunidade para que se re-equacionassem
muitos aspectos relacionados com a configuração
do sistema, de forma a optimizar a performance para os utilizadores.
Importa acrescentar que as soluções de configuração
que estudámos visaram sobretudo minimizar o tempo necessário
para notificar os navegantes de avarias em satélites.
Essas soluções de configuração
– e agora respondendo à pergunta de forma concreta
– tiveram a ver com a taxa de transmissão das
correcções, com o forma de enviar as correcções
a cada satélite e com a parametrização
das próprias estações. Relativamente
a este último aspecto, gostaria de referir que para
as estações funcionarem adequadamente é
necessário parametrizar diversas funções
e alarmes. E, como dizem os britânicos, “the devil
is in the details”, ou seja, às vezes basta um
desses parâmetros configurado de forma diferente para
que duas estações reajam de forma completamente
distinta, por exemplo em caso de avaria de um satélite.
Além desta vertente da configuração do
sistema, outro aspecto a que nos dedicámos bastante,
em Portugal, foi à validação e teste
das estações DGPS, o que permitiu, entre outras
coisas, determinar com rigor qual a verdadeira exactidão
proporcionada pelo sistema DGPS (que se concluiu ser entre
0,5 e 1m junto à estação mais 0,2m por
cada 100 km de distância à estação
DGPS) e elaborar recomendações para os fabricantes
de equipamentos DGPS, de forma a incorporarem determinadas
funções e alarmes que permitam aos utilizadores
tirar melhor partido do serviço.
Quais as desvantagens de ser dependente
do GPS americano?
Nos últimos anos, multiplicaram-se as aplicações
do GPS e existe um sem-número de actividades que dependem
do GPS para a sua concretização. Existe, por
isso, uma grande dependência relativamente ao GPS, no
sentido em que não há, actualmente, alternativa
ao GPS e se ele falhasse haveria inúmeros ramos de
actividade que seriam seriamente afectados. Acresce que muitos
desses ramos de actividade têm a ver com a segurança
de pessoas e bens ou com a salvaguarda da vida humana: controlo
ferroviário, controlo de semáforos, navegação
e posicionamento de navios e aeronaves, localização
de navios em perigo, localização do originador
de chamadas de emergência, etc. Importa referir, também,
que além da posição, o GPS fornece a
hora com uma precisão notável, sendo usado,
por exemplo, como referência temporal das transacções
bolsistas e como base de tempo da internet. Existe, portanto,
uma grande dependência relativamente ao GPS.
Dito isto, não considero que o facto do sistema ser
operado e controlado pelos EUA (e mais concretamente pelo
seu Departamento de Defesa) agudize significativamente esse
problema de dependência. Isto porque o GPS representa
uma enormíssima fonte de receitas para os EUA, que
não quererão comprometer as mais-valias económicas
desligando o sistema ou criando barreiras à sua utilização
civil. Aliás, a última Directiva Presidencial
sobre GPS, datada de Dezembro de 2004, enfatiza esse compromisso
de continuar a disponibilizar o GPS, de forma contínua
e gratuita, a todos os utilizadores, em todo o globo –
mantendo, as forças armadas americanas e/ou aliadas,
o privilégio de poderem negar a sua utilização
num teatro de operações, mas, mesmo assim, com
o compromisso de não afectar os utilizadores civis
do GPS fora dessa área de operações.
De qualquer maneira, a previsível entrada em funcionamento,
dentro de uma meia dúzia de anos, do sistema de radionavegação
por satélites Galileo (que está a ser implementado
pela Comissão Europeia) virá atenuar este problema.
Em vez de se estar inteiramente dependente do GPS americano,
passar-se-á a estar dependente de dois sistemas controlados
por entidades distintas.
Quais as especificidades da formação
na Escola Naval?
A Escola Naval, que foi fundada em 1782, tem o objectivo de
formar os oficiais da Marinha de forma sistemática
e abrangente, pelo que, para além das obrigações
académicas normais de uma Universidade, tem ainda o
propósito da sua formação integral como
militares, marinheiros e chefes, garantindo-lhes o potencial
necessário para assumirem as mais altas responsabilidades
de comando no mar e em terra.
Dessa forma, além de dotar os futuros oficiais da formação
académica imprescindível, a Escola Naval também
se empenha na formação militar-naval, que permita
aos alunos consolidar a capacidade de liderança e,
acima de tudo, a interiorização da ética
e do espírito de corpo no respeito pelos usos, tradições
e costumes da Marinha.
Como professor de Navegação da Escola Naval,
gostaria de salientar as especificidades relacionadas com
a necessidade de prática no mar de todas as técnicas
de navegação aprendidas nos bancos de escola.
Para esse efeito, a Escola Naval dispõe de um conjunto
de veleiros (NRP “Vega”, NRP “Polar”,
“Bellatrix” e “Canopus”) e lanchas
a motor (UAM “Condor” e lanchas “Mindelo”)
que proporcionam uma oportunidade ideal para o treino e desenvolvimento
de competências no âmbito da navegação,
marinharia, governo e manobra, a que acresce o desenvolvimento
de competências de liderança. Os embarques nessas
unidades constituem uma situação desafiante,
plena de realismo, onde o trabalho em equipa é vital. |