Maria Dornelas
“Defender a biodiversidade é
como preservar as pirâmides do Egipto.”
Aonde tropeça a teoria
neutra da biodiversidade?
A teoria neutra é demasiado constante no espaço
e no tempo. Tem em conta variação ao acaso em
nascimentos, mortes e migrações, mas por outro
lado não tem em conta o efeito da variação
das condições ambientais. Na vida real alguns
anos são mais favoráveis que outros, e algumas
zonas são mais favorecidas que outras. Esta variabilidade
no espaço e no tempo afecta o numero de espécies
que vivem em cada zona e as suas abundâncias.
Tem as mesmas implicações,
falar de zonas mais vastas de protecção ambiental
na Austrália ou em Portugal?
Sim! As escalas são obviamente muito diferentes –
a Grande Barreira de Coral por exemplo estende-se por mais
de 2.000 kms – mas os princípios são os
mesmos. Mesmo na Austrália é importante que
a conservação seja pensada como um projecto
internacional, e não apenas dentro de fronteiras nacionais
que não têm qualquer significado ecológico.
Devíamos provavelmente falar de zonas de protecção
ambiental do Atlântico, e não de Portugal, mas
podemos começar por estender as nossas reservas. Recentemente,
as zonas protegidas na Grande Barreira de Coral passaram de
4% para 30% da área total. Usando emprestada uma analogia
do Sean Connolly, proteger áreas maiores e ter redes
de zonas protegidas é equivalente a ter um portfolio
variado de investimentos. Como cada investimento varia de
forma relativamente imprevisível, é preciso
por um lado investir fundos suficientes e por outro não
pôr todos os ovos no mesmo cesto, para assegurar que
não se entra em bancarrota.
Os corais somam-se ou multiplicam-se?
Somam-se, multiplicam-se, subtraem-se e dividem-se. A reprodução
e a morte nos corais pode acontecer de várias formas,
porque são organismos coloniais. Cada “indivíduo”
é composto por várias unidades, que se reproduzem
assexuadamente (somam-se), e sexuadamente (multiplicam-se).
Como curiosidade, na Grande Barreira de Coral a maioria das
espécies de coral reproduzem-se todas numa única
noite por ano, numa orgia colectiva. Por outro lado também
pode morrer a totalidade ou apenas parte da colónia
(dividem-se e subtraem-se).
Quais os argumentos que sustentam a
biodiversidade como algo a defender?
O argumento mais importante tem a ver com sobrevivência.
Dependemos todos de inúmeros serviços prestados
pelos ecossistemas: ar com suficiente oxigénio, água
potável, etc. Tem-se tornado cada vez mais evidente
que a capacidade dos ecossistemas recuperarem de perturbações
é maior se houver várias espécies que
desempenhem papéis semelhantes. A resiliência
depende da redundância e portanto da biodiversidade.
Como o planeta Terra está permanentemente a mudar,
preservar a biodiversidade aumenta a probabilidade dos ecossistemas
continuarem a gerar os serviços de que precisamos.
E depois há as razões puramente estéticas.
Defender a biodiversidade é como preservar as pirâmides
do Egipto. Eu quero que os meus netos possam ver baleias,
orquídeas e borboletas, tal como quero que possam ver
o tecto da Capela Sistina.
Que tipo de empatia tem com a
água?
Somos grandes amigas. Principalmente a água salgada.
Dificilmente me imagino a viver longe do mar. |