Francisco Santos
“A tentação de atraiçoar
o próximo representa uma inevitabilidade.”
Em que estágio nos encontramos
na sistematização dos processos de interacção
social?
A sistematização das interacções
entre indivíduos de uma sociedade e os resultados globais
que emergem dessas interacções é algo
que permanece como um problema em aberto para diversas áreas
da ciência, como a economia, antropologia, ciências
políticas, matemática, biologia, só para
nomear algumas. Recentemente, a teoria de redes mostrou-nos
como caracterizar quantitativamente as interacções
sociais e o modo como são estabelecidas o que, juntamente
com a teoria de jogos, poderá produzir uma via para
acelerar a nossa compreensão dos fenómenos sociais.
Tal como em Cosmologia, onde o estudo da origem do universo
tem como base apenas parte da história do mesmo, a
teoria de redes mantém como um dos seus grandes desafios
a compreensão dos mecanismos elementares que estão
na génese das redes que hoje observamos.
A tentação de atraiçoar
o próximo pode estimular a cooperação
entre as sociedades?
Do ponto de vista evolutivo, cada acção é
determinada pelo interesse próprio do indivíduo
e não pelo bem comum que tal acção pode
determinar. Embora a sociedade possa tentar desenhar um mecanismo
que favoreça a segunda, tendo a primeira como premissa,
a tentação de atraiçoar o próximo
não levará à cooperação,
mas representa de certa forma uma inevitabilidade. Cada indivíduo
poderá escolher a via da traição se isso
lhe proporciona alguma espécie de vantagem, e a tentação
de escolher essa via será proporcional a esse benefício;
por outro lado, a existência de traição
induz os outros a organizarem-se por forma a evitá-la.
A tentação de atraiçoar e o medo de ser
atraiçoado são parâmetros fundamentais
na sistematização dos conflitos sociais.
Como é que a informação
que os indivíduos dispõem influencia a sua acção,
segundo a teoria dos jogos?
A informação que cada indivíduo dispõe
e a consequente utilização no processo de decisão
é determinante para o seu comportamento. A informação
sobre acções passadas dos parceiros sociais
aumenta a complexidade das estratégias disponíveis,
podendo originar diversos mecanismos de reciprocidade (directa
ou indirecta) ou mecanismos de punição que,
segundo a teoria de jogos evolutiva, levam à emergência
de comportamentos altruístas. Este resultado surge
mesmo quando a reputação social de cada indivíduo,
e a norma social da comunidade de inserção,
estão circunscritas apenas ao passado mais recente.
Por outro lado, considerando organismos simples onde as capacidades
cognitivas e de memória são limitadas ou inexistentes,
as teorias evolutivas tradicionais levam, de forma geral,
apenas à sobrevivência de estratégias
egoístas, excepto quando as redes de contactos são
heterogéneas ou auto-organizadas. O resultado convencional
tem suscitado uma divergência entre a teoria e alguns
resultados experimentais, onde o egoísmo e as acções
anti-sociais não são predominantes.
Que analogia existe entre a análise
das proteínas e da internet?
Globalmente, ambas se constituem como uma gigantesca rede
de interacções. A análise destas redes
revelou recentemente que as duas partilham propriedades e
padrões de interacção semelhantes. Embora
não seja de excluir que a génese destas redes
tenha motivações e mecanismos distintos, redes
de proteínas, internet ou, por exemplo, redes de colaborações
entre cientistas ou actores de cinema, entre muitas outras,
têm em comum uma estrutura onde uma minoria possui um
enorme número de ligações, enquanto que
a maioria apenas interactua com um reduzido número
de elementos. A descoberta deste tipo de estrutura, em redes
reais, cria um novo desafio tendo em vista a compreensão
dos sistemas dinâmicos que ocorrem nessas redes, entre
os quais a evolução da cooperação.
Usando estes padrões de interacção, e
contrariamente aos resultados tradicionais, as estratégias
altruístas tornam-se dominantes, constituindo-se estas
estruturas como um factor determinante para a emergência
da cooperação entre indivíduos.
Qual a probabilidade de um prisioneiro
ler esta entrevista?
Enorme! Interpretando o “prisioneiro” como um
indivíduo sob um determinado dilema, eu diria que “todos
somos prisioneiros”... |