Luís Azevedo Rodrigues
“A dimensão do tempo geológico
é algo absolutamente não palpável.”
O que podemos inferir sobre o comportamento
e locomoção dos dinossáurios a partir
das suas pistas?
O meu trabalho envolve duas componentes: o estudo do material
osteológico (ossos) e icnológico (pegadas) de
dinossáurios.
Ao nível da osteolgia procuro compreender, através
da recolha e análise de dados 3D, a evolução
da locomoção dos maiores dinossáurios
que existiram - os saurópodes (dinossáurios
quadrúpedes, herbívoros, de cauda e pescoços
compridos). Este estudo envolve a compreensão das alterações
morfológicas (de forma) ocorridas no esqueleto destes
animais, pois só assim poderemos compreender as alterações
na locomoção deste grupo ao longo da sua história
evolutiva.
A recolha desses dados 3D é feita com equipamento específico
e tendo que me deslocar a vários Museus de História
Natural, pois é impossível "mandar vir",
por exemplo, um fémur (osso da perna) com 2,5m de comprimento!
A última deslocação foi a Marraquexe
onde, no Museu de História Natural, foi estudado o
saurópode mais antigo do mundo - o Tazoudasaurus. Estão
previstas próximas deslocações à
China e o regresso ao Estados Unidos da América.
Para além deste trabalho laboratorial existe também
a componente de trabalho de campo/escavação,
para o qual já estive em Espanha e duas vezes consecutivas
em várias províncias da Patagónia.
No que diz respeito às pegadas, o trabalho de equipa
desenvolvido pelo Museu Nacional de História Natural
(MNHN) da Universidade de Lisboa compreende a inventariação
e estudo da totalidade do registo icnológico português.
As pegadas de dinossáurio dão-nos informações
valiosíssimas relativamente a vários aspectos
paleobiológicos dos dinossáurios - tipo de locomoção
(velocidade, etc.), comportamento (se se deslocavam isoladamente
ou em grupo), patologias (se o animal estava ferido podemos
sabê-lo pelo carácter irregular da passada, por
ex.).
Ao contrário dos ossos que nos dão mais informação
quanto à classificação de um determinado
animal, as pegadas revelam mais sobre a paleobiologia.
Qual a descendência dos dinossáurios?
As actuais teorias evolutivas apontam como sendo as aves os
actuais descendentes dos dinossáurios. Existem um enorme
conjunto de evidências (anatómicas, moleculares,
etc) que permitem que os paleontólogos tenham estabelecido
esse grau de parentesco. Hoje em dia conhecem-se muito bem
quase todos os "elos perdidos" da linha evolutiva
que conduziu de um grupo de dinossáurios carnívoros
(os terópodes) às modernas aves. É uma
história evolutiva fascinante com o aparecimento de
uma das "novidades" evolutivas mais fascinantes
da natureza - o voo.
Para avaliar a idade de um dinossáurio é
utilizado o Carbono 14?
No caso da Paleontologia de dinossáurios o método
de datação pelo Carbono 14 não é
utilizado, pois o seu espectro temporal de alcance não
atinge as rochas e os fósseis com que habitualmente
trabalhamos (mais de 65 milhões de anos).
Na paleontologia de dinossáurios são usados
os métodos de datação utilizados por
uma das áreas da Geologia - a Estratigrafia. Se um
determinado dinossáurio é encontrado numa rocha
deve ter a idade dessa rocha; assim os palentólogos
utilizam as datações das rochas onde os fósseis
foram encontrados. Essas datações radiométricas
são várias e utilizam diversas metodologias.
Quando falamos de dinossáurios, tendemos a
meter no mesmo saco várias espécies muito diferentes?
O grupo designado por Dinosauria compreende, hoje em dia,
mais de um milhar de espécies diferentes. Nesse grupo
existem animais muito diferentes quer ao nível do tamanho
(Compsognathus com 1m de comprimento e alguns saurópodes
com mais de 40m), pesos (dos 5kg às mais de 100 toneladas),
modo de vida (carnívoros, herbívoros, omnívoros;
uns eram solitários, outros, como alguns saurópodes
e ornitópodes, viviam em enormes manadas), tipo de
locomoção (bípedes, quadrúpedes,
etc.), idade (desde os 220 milhões de anos até
aos 65).
A abrangência temporal com que trabalha influencia
a sua visão do dia-a-dia?
Obviamente que sim.
Lido todos os dias com materiais fossilizados enormes e escalas
temporais gigantescas, mas procuro não esquecer, para
não me amedrontar, sempre a minha escala humana.
Uma das realidades que os paleontólogos compreendem
mas que acho que nunca vão ser capazes de sentir é
a dimensão do tempo geológico. É algo
absolutamente não "palpável".
Também é das questões que mais dificilmente
somos capazes de verdadeiramente fazer "passar"
para o grande público, quer nas escolas, quer nos artigos
de divulgação que escrevo para alguns jornais.
A dimensão do tempo pode dar-nos uma maior relatividade
em algumas questões do dia-a-dia bem como fazer-nos
pensar no papel que o Homem deve ter perante a Natureza; nós
só cá "estamos" há uma pequena
fracção de tempo...
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