Rui Ponte
“Não creio que ao Homem
interesse a sua auto-destruição.”
O Homem tem realmente poder para destruir
os mares?
Que os mares têm poder para destruir o Homem, disso
não restam dúvidas. Basta lembrar o que aconteceu
com o tsunami do Índico ou com o furacão Katrina.
Mas é bem possível que, por seu lado, o Homem
também tenha poder para destruir os mares. Essa experiência
ainda está por fazer, e ainda bem, mas veja-se, por
exemplo, o que aconteceu ao Mar de Aral, outrora grande lago
e hoje quase morto de sede pela falta de lucidez humana. É
difícil pensar a nossa existência sem o mar que
nos rodeia. No dia em que o mar morrer, será provavelmente
o fim do próprio Homem. Não creio que ao Homem
interesse a sua auto-destruição.
Que implicações traz
o balanceamento do eixo de rotação da Terra
para as questões climáticas?
A orientação da Terra no espaço relativamente
ao Sol é um aspecto importante para as questões
climáticas. Daí a relevância dos chamados
ciclos de Milankovic, alguns associados a perturbações
periódicas nessa orientação, que afectam
a distribuição de energia solar incidente no
planeta. Os movimentos aleatórios do pólo de
rotação da Terra, à escala de dias ou
de anos, atingem amplitudes máximas de alguns metros,
e são, portanto, demasiado pequenos para influenciar
o clima. Pelo contrário, são as próprias
perturbações climáticas, como o possível
desaparecimento das massas de gelo da Gronelândia, que
podem dar origem a essas deslocações do pólo
de rotação. Já se considerarmos escalas
de tempo geológico, pode dar-se o caso da distribuição
de massa no manto terrestre adquirir uma configuração
instável, e a sua redistribuição levar
o pólo de rotação a deslocar-se em relação
à crosta terrestre muitas centenas de quilómetros.
Num tal cenário de quase cambalhota terrestre, que
continua a ser tema de debate no meio científico, as
mudanças climáticas seriam inevitáveis
e estariam directamente ligadas ao movimento do pólo.
Que interesses servem as notícias
alarmistas sobre a subida das águas do mar?
As notícias alarmistas servem naturalmente para alarmar
as pessoas. Não faltam possíveis interessados
nesse estado de coisas, desde os que ganham a vida como vendedores
de desgraças aos que se propõem a ser os salvadores
do mundo. Mas, se há efectivamente interesses em promover
o alarmismo, também os há em promover a letargia
e o deixa andar, em relação à subida
dos níveis do mar e às possíveis consequências
do aquecimento global. Estes últimos interesses são
os interesses dos poderes instalados e, como tal, muito mais
perigosos. Por isso, nos dias que correm, talvez não
seja de todo mau um ou outro alarme falso, desde que sirva
para fazer frente à apatia geral que só convém
aos poderes instalados.
O que explica a regularidade do El
Niño?
É difícil explicar o que não existe.
Não me parece que El Niño tenha visitas com
data marcada. E quando chega, também não se
sabe bem a hora de partida. Cada El Niño tem a sua
personalidade própria, o seu princípio, meio,
e fim. O fenómeno tem pouco de regular, daí
as dificuldades na sua previsão. Mais previsível
é a nossa predisposição para atribuir
à natureza uma regularidade que ela às vezes
não tem. É reconfortante não estar sempre
em sobressalto, à espera do imprevisto. Só assim
se explica que a um fenómeno tão variado e inconstante,
lhe demos um só nome, para nos convencermos de que
o conhecemos bem e lhe controlamos os passos.
Como se entra em linha de conta com
dados tão extensos e diversos como marés, pressões
atmosféricas, e campos de gravidade?
Quanto mais elementos se tem em conta e mais ampla é
a abordagem do tema de pesquisa, mais realista se torna a
descrição do fenómeno em causa, e mais
completa e clara se torna a sua explicação.
Para pegar no exemplo referido, alguém interessado
em perceber as marés oceânicas não pode
estar sempre com a cabeça na lua! Terá também
de ter em conta, por exemplo, que, ao movimentarem tamanhas
quantidades de água, as marés introduzem variações
no campo gravitacional da Terra que, por sua vez, afectam
a natureza das próprias marés; e que as pressões
atmosféricas podem introduzir perturbações
notórias no comportamento de certas marés. Estes
são apenas alguns entre muitos aspectos importantes
a ter em mente numa verdadeira fenomenologia das marés,
que pode abranger coisas tão estranhas como a deformação
dos fundos oceânicos ou da própria Terra no seu
todo.
Como poderia Portugal tirar proveito
dos seus investigadores espalhados pelo mundo?
Na minha opinião, o mais importante seria começar
por tirar proveito dos milhares de investigadores que vivem
no país e que querem trabalhar a sério, dando-lhes
meios para poderem realizar os seus sonhos sem terem de emigrar.
Se isso for conseguido, não estaremos daqui a vinte
anos outra vez a perguntar como pode o país tirar proveito
dos que se foram embora. Os que estão hoje no estrangeiro,
podem e devem ser mobilizados para ajudar o país nessa
tarefa de rentabilizar os seus recursos humanos, que são,
afinal, a sua maior riqueza. É nesse sentido que a
relação de Portugal com os seus investigadores
no estrangeiro pode ser importante, mas, para sermos realistas,
convenhamos que essa relação terá de
ser baseada no interesse comum mais do que no empenhamento
patriótico. Muitas iniciativas nas áreas do
intercâmbio, mentorização, avaliação,
consultoria, docência, etc., poderiam ser desenvolvidas,
desde que houvesse algum esforço das entidades competentes
para incentivar e fortalecer os contactos entre a comunidade
científica portuguesa de aquém e de além
fronteiras, tanto a nível pessoal como institucional.
O que é o “choque
científico”?
Essa foi uma expressão que usei, inocentemente, em
entrevista ao Ciência Hoje, quando dizia que Portugal
talvez precisasse de um choque científico, mas não
queria ser autor de mais um chavão sem nexo. Por choque,
entende-se coisa que possa mexer com as pessoas, abanar com
atitudes instaladas. Por choque científico queria significar
a introdução de uma atitude científica
e tudo o que ela implica ---rigor, ponderação,
exigência, criatividade--- na vida do país. Com
uma atitude científica mais entranhada na sociedade
portuguesa, haveria com certeza menos desenrascanço,
menos paleio fácil, menos “valha-nos Nossa Senhora”,
menos fatalismo, e menos de um sem número de outros
atributos que só impedem o país de andar para
a frente. |