Rogelio Alonso
“Na sua decadência, grupos
como a ETA procuram perpetuar-se mediante a promessa de um
desaparecimento que nunca acontece.”
O processo de paz da Irlanda do Norte
é um bom modelo a seguir agora em Espanha?
Sim. Apesar das diferenças entre os dois contextos,
as características dos fenómenos terroristas
que tiveram lugar em Espanha e no Reino Unido tornam muito
pertinente a comparação neste momento actual.
Ainda que o cessar da violência do IRA se tenha produzido
na ausência de concessões significativas em relação
ao movimento terrorista e ao seu ambiente, inaugurou um processo
no qual os seus representantes políticos beneficiaram
de gestos por parte dos governos britânico e irlandês
que gerariam consequências prejudiciais para a normalização
política, repercutindo-se negativamente no objectivo
do desaparecimento da organização terrorista.
Desse modo, não só continua a limitada autonomia
norte-irlandesa suspensa desde o Outono de 2002, como permanecem
activos diversos grupos terroristas, entre eles, o IRA. Abandonou
a sua campanha de atentados mas em troca não renunciou
à recompilação de inteligência
e outras actividades criminosas que lhe garantem financiamento
e poder. É certo que o Sinn Fein optou por várias
vias políticas, mas sem renunciar à contribuição
do IRA que, a partir das suas actividades ilegais, continua
ao serviço do partido político. Assim, garante
benefícios mediante a promessa do seu desaparecimento,
algo que logicamente não chegará, pois é
precisamente a fonte de concessões para o grupo. Quer
dizer, as vias políticas empreendidas não são
de todo democráticas, propiciando um cenário
que seduz sem dúvida a ETA e o Batasuna.
O que deve ser feito de outra maneira
em Espanha para que isto não aconteça?
Na sua decadência, grupos como o IRA e a ETA procuram
perpetuar-se coagindo actores políticos e sociais mediante
a promessa de um desaparecimento que não acontece se
a resposta governamental se traduz em concessões que
demonstram a eficácia de manter a organização
terrorista, pois esta presença garante contraprestações
que sem ela não se produziriam. A dita dinâmica
favorece a perigosa legitimação de quem utilizou
a violência para colocar obstáculos a uma verdadeira
normalização política e obtenção
da paz. É por isso que o diálogo paralelo entre
o governo e a ETA, ao mesmo tempo que os partidos discutem
com o Batasuna a reforma do marco estatutário, consolidaria
um grave défice democrático. As negociações
políticas realizam-se sem o desaparecimento de uma
organização terrorista cuja mera declaração
de cessar actividades violentas não constitui uma prova
inequívoca da sua vontade de por um fim à sua
existência. Como o caso da Irlanda do Norte demonstra,
a mera presença de uma organização terrorista
condiciona processos políticos nos quais participa
o partido que a representa, ao favorecer uma coacção
que em nada incentiva a sua dissolução definitiva.
Não seria estranho que a ETA e o Batasuna persigam
um cenário semelhante, daí a necessidade de
manter exigências firmes a partir do governo como o
desarme e a dissolução total do grupo armado,
reclamações que deveriam ser satisfeitas e verificadas
rigorosamente antes de se considerar qualquer diálogo
sobre presos e outras questões políticas como
o regresso à legalidade do Batasuna. Isto impediria
que a organização terrorista pressionasse o
resto dos actores, incentivando assim o Batasuna a exigir
à ETA a sua verdadeira extinção.
O atentado do 11 de Março foi
determinante para que a ETA não tenha voltado a matar
desde então?
Sim, ainda que é certo que desde o 11 de Março
a ETA tentou assassinar em diversas ocasiões e por
sorte não o conseguiu. É verdade que este massacre
condicionou em certa medida a ETA, porque elevou o custo político
dos assassinatos do grupo armado, proporcionando assim uma
maior relutância por parte do grupo no momento de perpetuar
determinadas acções terroristas, como os assassinatos.
No entanto, os êxitos das forças e corpos de
segurança foram determinantes para que a ETA deixasse
de matar. Também é importante ressaltar, neste
sentido, o documento de um dirigente etarra que no ano passa
pediu para “pôr os mortos em cima da mesa”
durante o período eleitoral no País Basco.
A sua opinião relativamente
ao IRA é uma das mais respeitadas no Reino Unido. Pensa
que em Espanha devia ter-se em conta a opinião de peritos
de outros países?
As opiniões formadas são úteis sempre
e quando sejam rigorosas. O conhecimento rigoroso dos fenómenos
terroristas exige tempo, especialização e experiência.
Nem todas as pessoas que recebem a qualificação
de “perito” o são na realidade. É
necessário ter cuidado com aqueles que se apresentam
como peritos mas que procuram apenas apoios para determinadas
decisões políticas ou partidárias sem
fundamentar as suas opiniões em análises rigorosas
e cuidadas. Nestes dias têm sido publicadas em Espanha
entrevistas com o dirigente unionista da Irlanda do Norte,
David Trimble, nas quais se podiam aprender lições
muito úteis. Trimble expunha os erros cometidos na
Irlanda do Norte e recomendava ao governo espanhol que exigisse
à ETA em primeiro lugar a entrega das armas.
É doutorado em Ciências
da Comunicação. Considera acertada a forma com
se trata o terrorismo na imprensa?
Tem sido prática comum para aqueles que perpetram actos
de terrorismo recorrer à linguagem como objecto para
construir formas de justificação para a sua
violência, servindo-se para tal dos meios de comunicação
e dos discursos políticos. Com esta finalidade não
é estranho que termos como paz e diálogo sejam
utilizados com grande profusão e com uma intencionalidade
muito determinada, tornando-se por vezes contrários
ao seu significado natural e constituindo-se com frequência
em instrumentos de propaganda que são manipulados por
organizações e dirigentes terroristas na procura
dessa legitimidade da qual geralmente carecem. Os fenómenos
terroristas nacionalistas que tiveram lugar na Irlanda do
Norte e no País Basco oferecem mostras abundantes desta
instrumentalização. Foram numerosos os esforços
que o IRA, o principal grupo terrorista da Irlanda do Norte,
e o seu braço político, o Sinn Féin,
levaram a cabo com a intenção de desassociar-se
da imagem negativa que a sua violência lhes conferia.
Para tal, conceitos como a paz e o diálogo foram amplamente
deturpados, sendo exemplar neste sentido o papel do líder
mais importante da citada organização terrorista,
Gerry Adams.
Porque considera Adams uma farsa?
Porque procura consolidar a imagem de homem que teria feito
muitos esforços pela pátria, noção
que toca profundamente muitos espanhóis que até
desejam uma réplica para o âmbito basco. Mas
Adams não é o artífice da paz na Irlanda,
mas sim um hábil político e uma sensacional
farsa. Uma amostra disso é que para muitas pessoas
no nosso país é inquestionável a afirmação
de Adams de que jamais foi membro do IRA. Que credibilidade
têm as suas memórias quando é um facto
irrefutável que Adams foi e continua a ser um dos máximos
dirigentes do grupo terrorista? A admissão do seu activismo
e de como chegou a ordenar assassinatos e porque deixou de
sancioná-los resultaria sem dúvida muito mais
esclarecedora para entender porque é que o IRA decretou
o cessar-fogo, completamente ausente do seu livro. É
que Adams procura um lugar na história que não
lhe corresponde reproduzindo falsidades que em nada contribuem
para a paz que diz querer alcançar. Seria mais louvável
da sua parte se reconhecesse o seu profundo fracasso pessoal
e político, já que é um facto que depois
de trinta anos de terrorismo e de ter causado centenas de
mortes, o IRA não conseguiu nenhum dos seus objectivos.
Portanto, em vez de enfatizar e justificar a violência
do IRA, como o faz Adams a toda a hora e nalguns meios de
comunicação social, seria de maior utilidade
para a paz reconhecer que o principal feito do IRA tenha sido
o de polarizar a sociedade da Irlanda do Norte.
entrevista de Jordi Bascuñana
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