Manuel Teixeira
“O cancro é um produto
da nossa capacidade evolutiva.”
A causa do cancro é essencialmente
genética ou comportamental/ ambiental?
A nível celular todos os cancros têm provavelmente
origem genética, uma vez que resultam de alterações
do material genético, ou seja, de mutações.
A causa dessas mutações é que pode variar,
podendo resultar de um aumento de exposição
a agentes mutagéneos ou de um defeito da reparação
das lesões do DNA que ocorrem constantemente. Os agentes
ambientais causais podem ser físicos (por exemplo,
radiação ultra-violeta), químicos (por
exemplo, fumo do tabaco) ou biológicos (por exemplo,
o vírus HPV). Por outro lado, mutações
germinativas em genes envolvidos na reparação
de lesões do DNA causam várias síndromes
caracterizadas por predisposição hereditária
para cancro. Por exemplo, mutações nos genes
BRCA1 ou BRCA2 (que participam na reparação
de quebras de cadeia dupla do DNA) causam cancro hereditário
da mama, enquanto que mutações nos genes MLH1
ou MLH2 (que participam na reparação de erros
de emparelhamento do DNA) causam cancro colo-rectal hereditário.
Em geral, só cerca de 5% dos cancros mais comuns têm
uma origem genética, enquanto que a maioria das neoplasias
são esporádicas. É importante realçar
que o cancro é um produto da nossa capacidade evolutiva,
já que esta depende da existência de uma instabilidade
genética basal. O nosso metabolismo normal produz radicais
de oxigénio causadores de lesões do DNA que,
se atingirem genes importantes e não forem reparadas,
podem dar origem a uma neoplasia.
Para quando a erradicação
precoce da leucemia?
Houve grandes avanços no tratamento da leucemia nos
últimos anos. No entanto, é importante salientar
que leucemia não é uma única doença
mas sim dezenas de doenças diferentes, cada uma com
uma base biológica distinta. Várias leucemias
agudas têm taxas de cura de 80-90%, especialmente em
crianças, enquanto outras apresentam pior prognóstico.
Uma boa parte dos avanços no tratamento deve-se ao
tratamento diferenciado conforme os grupos de prognóstico
em parte definidos pelas alterações genéticas
das células leucémicas. Por outro lado, há
já tipos de leucemias que são tratadas com as
novas drogas dirigidas a alvos moleculares específicos
(as chamadas drogas inteligentes). Por exemplo, a leucemia
mielóide crónica é agora tratada com
uma taxa de sucesso de 95% com uma molécula que inibe
selectivamente a proteína de fusão BCR-ABL que
causa a doença e que resulta de uma translocação
cromossómica entre os cromossomas 9 e 22. No futuro,
cada vez mais haverá tratamentos específicos
dirigidos à alteração molecular que está
subjacente à neoplasia em causa, em vez de uma quimioterapia
inespecífica que causa mais efeitos laterais por afectar
também as células normais.
O que leva à fusão do
Septina 2 do cromossoma 2 com o MLL do cromossoma 11?
O que origina a fusão dos genes SEPT2 e MLL é
uma translocação cromossómica, que mais
não é do que uma troca de fragmentos entre dois
cromossomas após a ocorrência de quebras das
cadeias de DNA. Neste caso, as quebras das moléculas
de DNA ocorrem nestes dois genes, dando origem a um novo gene
de fusão chamado SEPT2-MLL. Este gene de fusão
passa a codificar uma proteína híbrida que vai
causar a leucemia por ter propriedades alteradas que afectam
a proliferação celular, a morte celular programada
e/ou a diferenciação celular.
Qual o processo utilizado para encontrar
o "par" do MLL?
Foi necessária a combinação de várias
metodologias. Tudo começou pela detecção
da translocação entre os cromossomas 2 e 11
por análise citogenética clássica. Como
o ponto de quebra no cromossoma 11 sugeria que o gene MLL
estivesse envolvido, fomos confirmá-lo por hibridação
fluorescente in situ com uma sonda específica para
aquele gene. Confirmado o envolvimento do gene MLL e sabendo
que este gene habitualmente se funde com um outro para criar
um gene de fusão, faltava encontrar o gene parceiro
localizado no cromossoma 2. Esta foi a tarefa mais árdua
pois havia dezenas de genes localizados na zona afectada do
cromossoma 2. Depois de avaliar a função dos
genes candidatos, foram seleccionados para estudo aqueles
que, em termos teóricos, se poderiam fundir com o gene
MLL para causar uma leucemia aguda. Usando a técnica
da reacção em cadeia da polimerase para estudar
o RNA, foi finalmente detectado um gene de fusão entre
o MLL e o SEPT2. Que este gene híbrido é constituído
por sequências nucleotídicas do MLL e do SEPT2
foi posteriormente confirmado por sequenciação
automática.
No caso de detecção desta
alteração cromossómica, em que consiste
o seu tratamento?
O tratamento deste tipo de leucemia consiste em quimioterapia
de alta dose e eventualmente transplante de medula óssea.
A leucemia mielóide aguda com envolvimento do gene
MLL está associada a uma probabilidade de sobrevivência
aos 5 anos de cerca de 20%, enquanto que há outro tipo
de leucemia mielóide aguda com alterações
genéticas de bom prognóstico que apresenta uma
sobrevivência de 85%. O grande desafio é descobrir
novas modalidades terapêuticas que permitam tratar melhor
o tipo de leucemia para o qual a terapia actual é menos
eficaz.
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