Pedro Viana
“Uma galáxia elíptica
gigante cresce por canibalismo de galáxias mais pequenas.”
O que é que o enxame de galáxias
agora descoberto está ali a fazer?
O desenvolvimento das estruturas em larga escala no Universo
provavelmente decorreu de modo hierárquico: o máximo
na taxa de formação dum dado tipo de estrutura
terá ocorrido tanto mais cedo na história do
Universo quanto menor fôr a escala associada a essa
estrutura. Assim, a taxa de formação de pequenas
galáxias terá sido a que primeiro atingiu um
máximo, seguida da associada a galáxias maiores,
passando pela dos pequenos grupos de galáxias até
chegarmos à dos grandes enxames de galáxias.
No decorrer deste processo uma fracção substancial
das estruturas existentes num dado momento terá acabado
por ser incorporada nas estruturas maiores então em
crescimento. Segundo esta hipótese, que é a
que melhor permite interpretar as observações
disponíveis, os grandes enxames de galáxias
serão assim estruturas relativamente recentes: a sua
taxa de formação só no último
terço da história do Universo, há cerca
de 5 mil milhões, se terá aproximado do seu
eventual máximo. Portanto, o enxame de galáxias
descoberto terá sido um tipo de estrutura muito rara
na altura em que o observamos, há quase 10 mil milhões
de anos atrás, quando o Universo existia apenas há
pouco mais de 4 mil milhões de anos. Hoje, esse enxame
de galáxias será uma das mais antigas estruturas
desse tipo existente no Universo.
Se o XMMXCS 2215-1738 nasceu quando
o Universo tinha 4,5 mil milhões de anos, um terço
da sua idade actual, o que se passa a 14 mil milhões
de anos-luz de nós?
O enxame de galáxias XMMXCS 2215-1738 pode não
ter nascido na altura em que o observamos, podendo ser um
pouco mais antigo. De qualquer modo, estruturas como uma galáxia,
um grupo ou enxame de galáxias, não nascem num
momento bem definido mas vão evoluindo e acretando
matéria de modo contínuo, se bem que irregular.
E mais além?
Quanto mais longínquas estiverem as estruturas que
observamos, mais recuada é a época na história
do Universo em que as observamos. A dada altura, talvez a
mais de 13 mil milhões de anos-luz de distância,
deixaremos de conseguir detectar qualquer tipo de estrutura.
Estaremos a observar o Universo numa época tão
recuada que ele existia então há umas poucas
centenas de milhões de anos, não tendo havido
até então tempo para ser formar mesmo que apenas
pequenas galáxias. No entanto, hoje em dia conseguimos
obter informação sobre o Universo tal como ele
era quando existia apenas há cerca de 500 mil anos,
através do estudo das propriedades da radiação
cósmica de fundo nas microndas, que teve origem nessa
época. Nunca conseguiremos detectar radiação
electromagnética vinda de mais longe. A recolha directa
de informação sobre o estado do Universo quando
ele era ainda recém-nascido, terá que ser feita
ou através da detecção de ondas gravitacionais
ou dos neutrinos então produzidos.
Como é que um cluster
de galáxias tão grande se formou tão
cedo na vida do Universo?
As estruturas em larga escala, como os enxames de galáxias,
não se formam todas ao mesmo tempo, ainda que sejam
do mesmo tipo. O ritmo a que se formam é de início
reduzido, aumentando lentamente com o tempo até atingir
um máximo, diminuindo depois de modo igualmente lento.
Portanto, apesar da formação de tão grande
enxame de galáxias na época em que ocorreu ter
sido um evento de probabilidade reduzida, não era de
todo impossível.
O que se passou neste enxame desde
o seu nascimento?
Um enxame de galáxias não nasce num momento
bem preciso no tempo, mas vai antes evoluindo e crescendo
à medida que vai acretando através da imensa
força gravitacional que exerce, galáxias e outra
matéria que dele se aproxime. Ao longo da sua evolução
é possível constatar profundas alterações
no seu interior, em particular na população
de galáxias que alberga. Devido à elevada densidade
de galáxias num enxame, estas colidem frequentemente,
mudando de morfologia no processo ou mesmo fundindo-se. Uma
das consequências mais evidentes destas interacções
é o aparecimento de uma galáxia elíptica
gigante no centro do enxame, que cresce literalmente por canibalismo
de galáxias mais pequenas que dela se aproximem demasiado.
A Matéria Escura, é
matéria que emite pouca radiação ou é
constituída por partículas ainda desconhecidas?
A hipótese da existência de matéria escura
foi pela primeira vez seriamente considerada no início
da década de 70 do século passado. Tal deveu-se
à necessidade de explicar a elevada velocidade orbital
das estrelas mais exteriores observadas quer na galáxia
que habitamos quer noutras. Tais velocidades não eram
compatíveis com a escassa matéria, sob a forma
de estrelas e meio interestelar, detectada nessas regiões
devido ao facto de emitir ou absorver radiação
electromagnética. A hipótese mais simples para
explicar essas velocidades é a de que existe uma grande
quantidade de matéria nessas regiões que não
é detectável através da sua interacção
com a radiação electromagnética, daí
a designação porque passou a ser conhecida:
matéria escura. Até hoje não sabemos
o que constitui a maior parte da matéria escura. No
entanto, ao longo da última década tem-se conseguido,
através de dados observacionais, tornar cada vez mais
improvável que essa matéria escura seja constituída
por objectos que emitem muito pouca ou nenhuma radiação,
como anãs brancas e castanhas, estrelas de neutrões
e buracos negros. É hoje cada vez mais plausível
a hipótese de que a matéria escura seja constituída
por partículas elementares ainda desconhecidas. |