Maria Gomes-Solecki
“Seres humanos para serem produtivos
têm que ser sujeitos a um nível saudável
de stress.”
Que vacina gostaria mais de desenvolver?
Contra a malária, porque é uma doença
perniciosa que põe em risco cerca de 2 biliões
e mata cerca de 3 milhões de pessoas por ano. A devastação
humana causada por esta doença conduz a alterações
económicas e sociais profundas que têm o potencial
de destruir um povo. O parasita que causa esta doença
é altamente interessante do ponto de vista científico
puro. A tuberculose também é uma doença
infecciosa emergente.
O que a levou da medicina veterinária
às doenças infecciosas?
Tentei fazer clínica veterinária mas a rotina
e a falta de meios não me agradaram muito. Por falta
de meios, eu quero dizer que na altura que eu tentei esta
profissão prevalecia a atitude portuguesa de “não
se gostar de pagar serviços” de modo que eram
mais frustrantes do que aliciantes os dias na clínica.
Entretanto, estava envolvida num projecto de doenças
infecciosas aliciante e fui continuando de projecto em projecto
sempre nas doenças infecciosas só com uma breve
paragem em bioquímica para aprender algumas técnicas
de biologia molecular.
O que entende por “hard core
science”?
“Ciência profissionalizada”. Na altura que
eu saí de Portugal a ciência biomédica
que se fazia era tipo amador, muito pouco profissional, quase
infantil, sem seminários semanais ou mesmo anuais na
nossa (ou noutra, tanto quanto eu sabia) área de estudo.
Basicamente, cientistas produzem mais e melhor se forem constantemente
“challenged” por pessoas estranhas ao seu próprio
ambiente. É uma questão de competição
saudável e mobilização de pessoas e ideias
entre universidades e mesmo departamentos dentro da mesma
universidade.
Há que correr riscos para ter
sucesso?
Absolutamente. Eu sou de opinião pessoal que sem risco
não há recompensa, há só a segurança
de um quotidiano sem ambições. Sei bem que numa
sociedade como a nossa, que é completamente avessa
à palavra “risco” isto pareça um
bocado drástico, mas o que é facto é
que os seres humanos não foram programados biologicamente/psicologicamente
para “se sentarem debaixo da bananeira protectora do
estado e esperar só comer bananas (seguras!) para o
resto da vida”. Seres humanos para serem produtivos
e inovadores têm que ser sujeitos a um nível
saudável de stress, normalmente induzido por situações
de mais ou menos risco.
Qual a percentagem de inspiração
e de transpiração no seu trabalho?
Eu diria que é 50/50. Sem inspiração
não existe inovação (pelo menos no meu
caso) e sem inovação fico sem as novas tecnologias
que movem ambos os laboratórios, o da universidade
e o da companhia. A transpiração vem principalmente
do stress de competir continuamente por financiamento que
mantenha a companhia funcional até termos um produto
no mercado. Existe também o “thrill” e
a responsabilidade de continuar a financiar os salários
das várias pessoas que trabalham para mim.
Que sinergias podem ser criadas
entre as Universidades e as grandes companhias farmacêuticas?
Grandes companhias farmacêuticas têm a disponibilidade
financeira para investir em projectos a fundo perdido (o que
os americanos chamam de “Grants”) que financiem
ciência fundamental e aplicada fora das portas da companhia,
ou seja na universidade. Para a universidade, a vantagem será
a de ter acesso a fundos para investigação que,
no mínimo, põe a uso o equipamento altamente
sofisticado e caríssimo que muitas vezes anda “às
moscas” em muitos departamentos das universidades portuguesas.
Estes arranjos financeiros podem trazer alguns problemas de
conflitos de interesse mas desde que todas as transacções
sejam feitas com transparência não há
razão para as temer, e é uma via frequentemente
usada pelos americanos e ingleses sobretudo para financiar
estudos clínicos que, como que num à parte,
eu devo sublinhar, é um tipo de investigação
que simplesmente não existe no nosso pais. |