José Xavier
“Conhece-se melhor o planeta Marte
do que o fundo do mar.”
Que influência sobre as pescas
terá o estudo por si desenvolvido acerca da distribuição
de espécies marinhas raras a partir do rastreio dos
seus predadores?
A influência nas pescas será mais notada a 2
níveis:
1) Potencial para novas pescarias. Este estudo possibilitou
identificar áreas onde os albatrozes se alimentam e
de que espécies se alimentam nas áreas de mais
abundante alimento. Ao ser-nos possível identificar
áreas de maior produtividade e mais ricas em lulas,
peixe e crustáceos, poderemos, a médio prazo,
avaliar se essas áreas e certas espécies poderão
ser comercialmente viáveis, e sempre com um objectivo
de manter o equilíbrio no ecossistema (ou seja, que
haja suficientes recursos quer para os pescadores quer para
os albatrozes e outros predadores).
2) Conservação dos organismos marinhos. Ao ter
utilizado rastreio via satélite a espécies em
vias de extinção como são os albatrozes,
ficamos a perceber onde estes organismos se alimentam. Como
os albatrozes potencialmente interagem com os barcos de pesca
de palangre (pesca de anzol), onde são atraídos
pelo isco e acabam por morrer afogados, este estudo contribuiu
para ajudar a criar medidas de protecção e legislação
das pescas para minimizar a mortalidade de aves marinhas.
Medidas como usar material mais pesado de modo ao isco afundar
mais rapidamente (e ficar fora do acesso dos albatrozes) e
pôr o aparelho de pesca só à noite (de
modo aos albatrozes não conseguirem ver o isco).
Porque é que este estudo será
referencial neste domínio, de hoje em diante?
Este estudo é fundamental para conhecermos o ambiente
marinho. Até hoje, tínhamos de apanhar os organismos
directamente através de barcos de pesca ou de navios
oceanográficos. No entanto, há organismos que
conseguem fugir das redes. Por exemplo, em predadores encontramos
cerca de 40 espécies raras de cefalópodes (grupo
de organismos que engloba lulas e polvos) enquanto que os
barcos de pesca e os navios oceanográficos conseguem
apanhar normalmente 5 espécies, mesmo com redes de
pesca de grandes dimensões. Daí haver uma grande
necessidade de implementar outro método para obtermos
informações sobre essas espécies, informações
tão simples como a distribuição de espécies.
Assim, desenvolvi um método indirecto para estimar
a distribuição de espécies raras, onde
usei os predadores para conhecer as espécies.
Este trabalho foi o resultado de 3 anos onde se relacionou
um grande número de dados oceanográficos, de
dieta e de rastreio via satélite, relacionados num
modelo matemático nunca feito antes. As mais-valias
neste estudo são:
1) Avaliarmos como se pode aplicar esta técnica a outros
predadores em outros oceanos. No futuro, esperamos que este
estudo seja de referência para melhorarmos a utilização
de outros meios, além dos barcos de pesca e navios
oceanográficos, para conhecermos espécies raras
nos oceanos.
2) As implicações deste estudo vão além
da distribuição dos organismos pouco estudados,
já que irá também contribuir para a conservação
dos albatrozes (ao saber onde se alimentam, sabemos que medidas
podemos tomar para os proteger), como interagem como o meio
ambiente (por exemplo, se preferem águas frias ou águas
quentes para se alimentarem), e como as variações
climáticas e oceanográficas podem afectar a
sua sobrevivência (por exemplo, outro estudo meu mostrou
que em anos mais quentes os albatrozes têm grandes dificuldades
em encontrar alimento, e muitos não se reproduzem com
sucesso, o que provoca um declínio das suas populações
a longo prazo).
Qual o potencial dos recursos marinhos
da Antártida?
Os recursos marinhos na Antártida são bastante
abundantes mas precisam de ser bem geridos, principalmente
devido à sua história.
A pesca de pinguins, focas e elefantes marinhos começaram
no Sec. XIX e depois a pesca da baleia no Sec. XX, que só
acabou na década de 60-70. Essas pescarias terminaram,
não por haver medidas de gestão mas por não
ser rentável a sua pesca. Desde aí, muito mudou
para melhor. Já não existe qualquer dessas pescas,
e os recursos da Antártida são bem geridos por
uma comissão (CAMLR- Commission for the Convention
of Antarctic Marine Living Resources).
Actualmente, a pesca incide sobre várias espécies
de peixe, crustáceos e, a médio prazo, cefalópodes,
algumas com um grande valor comercial. Por exemplo, o Bacalhau
do Antárctico Dissostichus eleginoides (pode atingir
2 metros e 120 kg de peso) pode chegar aos 50 euros num restaurante
japonês ou americano. Este recurso está a ser
bem regulado mas já está na fase de não
absorver mais barcos de pesca devido ao seu crescimento lento
e baixo metabolismo. Ao nível dos crustáceos,
a espécie mais capturada é o krill Euphausia
superba. O seu potencial ainda está sub-explorado,
com interesse pesqueiro de países asiáticos
e da Europa de Leste (p. ex. Russia). Ao nível dos
cefalópodes (lulas e polvos) existe algum potencial,
mas nada é ainda capturado nas águas do Antárctico.
No entanto, nas águas próximas, do sub-Antárctico,
existem numerosas pescarias a este recurso e existe curiosidade
em explorar águas mais a sul.
Até que profundidade é
hoje conhecida a fauna marítima?
No mar, a região mais conhecida é aquela até
aproximadamente 200 metros de profundidade, chamada plataforma
continental. Isto deve-se à maior produtividade dos
oceanos incidir aí, e consequentemente as pescas operarem
nessa região.
À medida que as profundidades aumentam conhecemos cada
vez menos. Uma das frases mais usadas é que "se
conhece melhor o planeta Marte do que o fundo do mar."
O mesmo acontece em áreas pouco conhecidas dos oceanos
incluindo as áreas polares. Tentando quantificar, julga-se
que a ciência apenas conhece 1% do fundo do mar!
Quais os argumentos a favor da biodiversidade?
Pessoalmente, julgo que deveremos tentar manter o ecossistema
marinho em equilíbrio, ou seja, gerir pescas mantendo
a biodiversidade.
No entanto, desde os primórdios dos humanos, já
alterámos o equilíbrio marinho à medida
que as pescas foram aumentando. Só muito recentemente
(há aproximadamente 60 anos) conseguimos perceber que
os recursos marinhos precisam de ser geridos de um modo equilibrado.
Daí ser fundamental gerirmos as pescas. Ou seja, deixar
que as várias populações pescadas cresçam
e se reproduzam com sucesso.
Hoje em dia até já existem áreas de protecção
marinha. A biodiversidade é fundamental pois mostra
que o ecossistema marinho está a funcionar de um modo
adequado e não demasiado alterado. A variedade de formas
de vida, e as suas diferentes estratégias e comportamentos
é sinónimo disso.
O desafio actual dos investigadores marinhos será coordenar
o que se deve pescar, como pescar e quanto, e mantendo a biodiversidade
e a saúde dos oceanos positiva. |