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# 55 | 14 Agosto 06
 

Doutorado em Zoologia pela Universidade de Cambridge, Inglaterra; realizou um pos-doutoramento no British Antarctic Survey.
Actualmente desempenha o papel de investigador post-doctoral no Centro de Ciências do Mar (CCMAR), Universidade do Algarve. Biólogo marinho com numerosas publicações na ecologia, conservação e gestão de recursos marinhos no Oceano Antárctico, Oceano Atlântico e Portugal. Os seus estudos mais recentes focam a ecologia de cefalópodes em relação aos seus predadores e pescas no Oceano Antárctico e em águas europeias.

Foi autor de um estudo, publicado recentemente no jornal Ecography, no qual se revela que é possível estimar via satélite a distribuição de espécies raras usando dados de rastreio dos seus predadores.


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José Xavier
“Conhece-se melhor o planeta Marte do que o fundo do mar.”

Que influência sobre as pescas terá o estudo por si desenvolvido acerca da distribuição de espécies marinhas raras a partir do rastreio dos seus predadores?
A influência nas pescas será mais notada a 2 níveis:
1) Potencial para novas pescarias. Este estudo possibilitou identificar áreas onde os albatrozes se alimentam e de que espécies se alimentam nas áreas de mais abundante alimento. Ao ser-nos possível identificar áreas de maior produtividade e mais ricas em lulas, peixe e crustáceos, poderemos, a médio prazo, avaliar se essas áreas e certas espécies poderão ser comercialmente viáveis, e sempre com um objectivo de manter o equilíbrio no ecossistema (ou seja, que haja suficientes recursos quer para os pescadores quer para os albatrozes e outros predadores).
2) Conservação dos organismos marinhos. Ao ter utilizado rastreio via satélite a espécies em vias de extinção como são os albatrozes, ficamos a perceber onde estes organismos se alimentam. Como os albatrozes potencialmente interagem com os barcos de pesca de palangre (pesca de anzol), onde são atraídos pelo isco e acabam por morrer afogados, este estudo contribuiu para ajudar a criar medidas de protecção e legislação das pescas para minimizar a mortalidade de aves marinhas. Medidas como usar material mais pesado de modo ao isco afundar mais rapidamente (e ficar fora do acesso dos albatrozes) e pôr o aparelho de pesca só à noite (de modo aos albatrozes não conseguirem ver o isco).

Porque é que este estudo será referencial neste domínio, de hoje em diante?
Este estudo é fundamental para conhecermos o ambiente marinho. Até hoje, tínhamos de apanhar os organismos directamente através de barcos de pesca ou de navios oceanográficos. No entanto, há organismos que conseguem fugir das redes. Por exemplo, em predadores encontramos cerca de 40 espécies raras de cefalópodes (grupo de organismos que engloba lulas e polvos) enquanto que os barcos de pesca e os navios oceanográficos conseguem apanhar normalmente 5 espécies, mesmo com redes de pesca de grandes dimensões. Daí haver uma grande necessidade de implementar outro método para obtermos informações sobre essas espécies, informações tão simples como a distribuição de espécies. Assim, desenvolvi um método indirecto para estimar a distribuição de espécies raras, onde usei os predadores para conhecer as espécies.
Este trabalho foi o resultado de 3 anos onde se relacionou um grande número de dados oceanográficos, de dieta e de rastreio via satélite, relacionados num modelo matemático nunca feito antes. As mais-valias neste estudo são:
1) Avaliarmos como se pode aplicar esta técnica a outros predadores em outros oceanos. No futuro, esperamos que este estudo seja de referência para melhorarmos a utilização de outros meios, além dos barcos de pesca e navios oceanográficos, para conhecermos espécies raras nos oceanos.
2) As implicações deste estudo vão além da distribuição dos organismos pouco estudados, já que irá também contribuir para a conservação dos albatrozes (ao saber onde se alimentam, sabemos que medidas podemos tomar para os proteger), como interagem como o meio ambiente (por exemplo, se preferem águas frias ou águas quentes para se alimentarem), e como as variações climáticas e oceanográficas podem afectar a sua sobrevivência (por exemplo, outro estudo meu mostrou que em anos mais quentes os albatrozes têm grandes dificuldades em encontrar alimento, e muitos não se reproduzem com sucesso, o que provoca um declínio das suas populações a longo prazo).

Qual o potencial dos recursos marinhos da Antártida?
Os recursos marinhos na Antártida são bastante abundantes mas precisam de ser bem geridos, principalmente devido à sua história.
A pesca de pinguins, focas e elefantes marinhos começaram no Sec. XIX e depois a pesca da baleia no Sec. XX, que só acabou na década de 60-70. Essas pescarias terminaram, não por haver medidas de gestão mas por não ser rentável a sua pesca. Desde aí, muito mudou para melhor. Já não existe qualquer dessas pescas, e os recursos da Antártida são bem geridos por uma comissão (CAMLR- Commission for the Convention of Antarctic Marine Living Resources).
Actualmente, a pesca incide sobre várias espécies de peixe, crustáceos e, a médio prazo, cefalópodes, algumas com um grande valor comercial. Por exemplo, o Bacalhau do Antárctico Dissostichus eleginoides (pode atingir 2 metros e 120 kg de peso) pode chegar aos 50 euros num restaurante japonês ou americano. Este recurso está a ser bem regulado mas já está na fase de não absorver mais barcos de pesca devido ao seu crescimento lento e baixo metabolismo. Ao nível dos crustáceos, a espécie mais capturada é o krill Euphausia superba. O seu potencial ainda está sub-explorado, com interesse pesqueiro de países asiáticos e da Europa de Leste (p. ex. Russia). Ao nível dos cefalópodes (lulas e polvos) existe algum potencial, mas nada é ainda capturado nas águas do Antárctico. No entanto, nas águas próximas, do sub-Antárctico, existem numerosas pescarias a este recurso e existe curiosidade em explorar águas mais a sul.

Até que profundidade é hoje conhecida a fauna marítima?
No mar, a região mais conhecida é aquela até aproximadamente 200 metros de profundidade, chamada plataforma continental. Isto deve-se à maior produtividade dos oceanos incidir aí, e consequentemente as pescas operarem nessa região.
À medida que as profundidades aumentam conhecemos cada vez menos. Uma das frases mais usadas é que "se conhece melhor o planeta Marte do que o fundo do mar." O mesmo acontece em áreas pouco conhecidas dos oceanos incluindo as áreas polares. Tentando quantificar, julga-se que a ciência apenas conhece 1% do fundo do mar!

Quais os argumentos a favor da biodiversidade?
Pessoalmente, julgo que deveremos tentar manter o ecossistema marinho em equilíbrio, ou seja, gerir pescas mantendo a biodiversidade.
No entanto, desde os primórdios dos humanos, já alterámos o equilíbrio marinho à medida que as pescas foram aumentando. Só muito recentemente (há aproximadamente 60 anos) conseguimos perceber que os recursos marinhos precisam de ser geridos de um modo equilibrado. Daí ser fundamental gerirmos as pescas. Ou seja, deixar que as várias populações pescadas cresçam e se reproduzam com sucesso.
Hoje em dia até já existem áreas de protecção marinha. A biodiversidade é fundamental pois mostra que o ecossistema marinho está a funcionar de um modo adequado e não demasiado alterado. A variedade de formas de vida, e as suas diferentes estratégias e comportamentos é sinónimo disso.
O desafio actual dos investigadores marinhos será coordenar o que se deve pescar, como pescar e quanto, e mantendo a biodiversidade e a saúde dos oceanos positiva.

Anteriores entrevistas:
Pedro Viana
Sérgio Rebelo
Maria Gomes-Solecki
Cármen Arnau Muro
Pedro Granja

 
Editor
António Coxito
Produção
Ricardo Melo
Design
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