Norberto Pires
“As previsões mais optimistas
são largamente ultrapassadas com a evolução
da ciência e da tecnologia.”
Até que ponto é execuível
o projecto de robots morfologicamente semelhantes ao Homem?
Robôs com aspecto humano fazem parte do nosso imaginário,
e não é por acaso que aparecem na ficção
criada pelo homem. A ideia é bem simples, criar um
auxiliar mecânico que realize tarefas de forma comparável
ao homem, e que possa substitui-lo nas tarefas mais repetitivas,
aborrecidas e que não colocam desafios intelectuais.
Uma espécie de escravo ideal, obediente, sempre disponível
e eficaz. De certa forma, foi esta a ideia que fez com que
muitos dos pensadores mais brilhantes da nossa história
comum se tivessem dedicado a imaginar, projectar e construir
máquinas capazes de “copiar” algumas das
capacidades humanas. E isso nada tem a ver com tecnologia,
mas sim com imaginação e capacidade de sonhar.
Consequentemente, é possível encontrar trabalhos
e realizações na área anteriores ao nosso
século, ao nosso milénio e até anteriores
a Cristo.
Existem previsões que dizem que nos próximos
30 anos teremos robôs comerciais que serão capazes
de falar connosco, andar como nós e capazes de exibir
emoções. Podem levar os nossos filhos à
escola, ou ao parque infantil, acordar cedo e fazer as nossas
compras, etc. Nessa perspectiva, esses robôs inteligentes
do futuro poderão mesmo sentar-se connosco ou com os
nossos filhos e falar sobre os nossos problemas e experiências.
Isso teria ainda um efeito social muito interessante. Com
a idade perdemos capacidades físicas e mentais. Os
robôs podem ser os nossos assistentes pessoais ajudando-nos
a manter um nível de actividade interessante e competitivo
mesmo nessas idades avançadas. Esta perspectiva social
da robótica é muito atractiva e cheia de potencialidades.
E um enorme desafio científico e tecnológico
potenciador de uma actividade industrial muito interessante
pelas perspectivas de criação de valor.
Que contributos tem trazido a Inteligência
Artificial para a programação das tarefas dos
robots?
Não queria parecer demasiado sonhador, na forma como
respondi à pergunta anterior. A questão da inteligência
artificial vem um pouco na sequência de perguntar: Até
que ponto é isto ficção científica?
Bem, o passado recente demonstra que mesmo as previsões
demasiado optimistas são largamente ultrapassadas com
a evolução verdadeiramente avassaladora da ciência
e da tecnologia. Mas neste caso, quando não sabemos
como funciona o cérebro humano, e portanto temos dificuldade
em reproduzir as suas funções mesmo que de forma
mais simplificada (recorrendo por isso a menos conhecimento
sobre o funcionamento do cérebro humano), será
possível ser tão optimista?
A minha perspectiva é que esta ideia de construir máquinas
que se parecem com homens e andam como homens é um
pouco uma perca de tempo. De facto, este esforço não
contribui para o avanço tecnológico e científico
no objectivo de dotar as máquinas de inteligência.
Um dos problemas fundamentais é o de como proceder
para colocar os computadores (os cérebros dos robôs)
a fazer análise de senso comum (commonsense reasoning)
que lhes permita perceber coisas e situações
comuns do dia-a-dia. Por exemplo, não existe nenhum
robô “vivo” capaz de perceber que se largar
um objecto, ele cai. Ou que se tiver um objecto preso por
um cordel em cima de uma mesa, pode puxar pelo cordel para
mover o objecto, mas não vale a pena empurrar o cordel.
Uma criança de 4-5 anos sabe centenas de milhares destas
pequenas coisas, e um adulto sabe milhões. A evolução
nesta área tem sido muito lenta, e na minha opinião
é fundamental para tornar as máquinas realmente
“espertas”. De que vale o robô que se parece
com um homem, se quando faz qualquer coisa é tão...
robô?
Os robôs em vez de se parecerem com homens, e falarem
e andarem como homens devem ter um objectivo prático
a atingir. A semelhança com humanos não é
fundamental, e cumpre mais objectivos emocionais do que práticos.
A verdade é que a tecnologia de reconhecimento em tempo-real
do ambiente, a capacidade de manipular objectos, a capacidade
de detectar e transpor obstáculos, a capacidade de
entender o discurso humano ainda não estão suficientemente
desenvolvidos. Longe disso. As máquinas actuais mostram
algumas capacidades rudimentares, mas só isso.
Para já, os robots industriais
são usados apenas por grandes empresas. Isto quer dizer
que não trazem rentabilidade para as PMEs?
Os robôs industriais actuais não estão
adaptados a Pequenas e Médias Empresas (PME). Na verdade,
não foram construídos a pensar em PME, nem foi
grande a preocupação de os dotar de mecanismos
de interface com o homem que facilitassem grandemente as tarefas
de programação e utilização por
um operador comum, isto é, sem conhecimentos de engenharia,
de programação e de certa forma com baixos conhecimentos
de tecnologia.
No entanto, sendo a maioria das empresas industriais do tipo
PME, é muito importante adaptar a tecnologia para esse
tipo de empresas. Isso é feito pelas empresas integradoras
de automação e robótica, isto é,
aquelas que constroem soluções robotizadas a
pedido das empresas. No entanto, é uma tarefa complexa,
morosa, difícil de manter, pouco flexível, pouco
ágil, normalmente muito cara e inacessível à
generalidade das PME.
Hoje em dia, dependendo do tipo de produto e do tipo de produção,
a adopção de equipamentos robotizados por parte
de PME pode ser comportável constituir uma solução.
Depende da análise custo/beneficio. Em muitos casos,
dada a concorrência e condições de mercado,
a análise é favorável mesmo para uma
PME. No entanto, o esforço deve ser feito no sentido
de que seja favorável na grande maioria das situações,
facilitando a sua adopção pelas PME. Nessa perspectiva,
saliento o projecto europeu SMEROBOT (http://www.smerobot.org)
financiado pelo 6º Programa Quadro da União Europeia
e que tem como finalidade desenvolver robôs adaptados
às PME, transformando em produtos muitos dos desenvolvimentos
disponíveis em laboratórios. Para além
disso, pretende contribuir de forma decisiva para diminuir
o tempo de programação e a complexidade associada
a tarefas robóticas. Este projecto reúne todas
as empresas de robótica da Europa, bem como os parceiros
de I&D relevantes, entre os quais se encontra o Departamento
de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra. O
objectivo é ter robôs mais baratos, mais fáceis
de instalar e de programar, e muito mais fáceis de
usar por um operador comum.
Que trabalho desenvolveu para o Space
Shuttle?
Uma das áreas de I&D do nosso laboratório
(Laboratório de Robótica Industrial da Universidade
de Coimbra, Departamento de Engenharia Mecânica-DEM)
é o controlo de força em robótica industrial.
Nessa perspectiva temos colaborado com outros laboratórios,
mas também com empresas, nomeadamente as fornecedoras
de tecnologia. Uma delas, denominada JR3, fabrica sensores
de força-momento inteligentes. Temos um acordo simples
com essa empresa, que permite a partilha de software
desenvolvido por nós com a empresa, tendo em contrapartida
acesso privilegiado ao equipamento e a disponibilidade de
sensores (geralmente muito caros). Esse software é
usado nos sensores, bem como no desenvolvimento de aplicações
de aquisição de dados a partir dos sensores.
Assim, a colaboração com a NASA foi indirecta.
A NASA nas novas missões do shuttle usa sensores de
força da JR3, e, portanto, usa o nosso software. Tira
partido dele, como muitos outros clientes da JR3, no desenvolvimento
das suas aplicações. Estes sensores são
usados em empresas em tarefas de polimento, lixagem, manipulação,
etc., e de uma maneira geral em qualquer aplicação
que exija o controlo da força de contacto entre os
robôs e as peças de trabalho. A NASA foi/é
só mais um dos utilizadores, como é a IVO Cutelarias
(Portugal) que fabrica cutelarias para exportação
e utiliza robôs para lixar e polir peças resultantes
de estampagem.
Que tarefas poderá desempenhar
um robot de companhia?
Todas as tarefas que desempenha uma companhia humana. Neste
momento, como disse anteriormente, as tarefas possíveis
são ainda muito limitadas, mas as perspectivas a médio
prazo são animadoras e têm uma componente social
muito interessante, o que poderá constituir uma forte
motivação para acelerar desenvolvimentos. O
foco actual do I&D na área está na interacção
homem-máquina. Construir robôs que sejam que
sejam capazes de operar de forma segura e eficaz, na presença
de humanos, num ambiente típico das nossas casas já
é de si uma tarefa gigantesca em termos de desafios
científicos e técnicos. Consequentemente, construir
um robô que para além disso tem interacção
com os humanos ao ponto de substituí-lo em determinadas
tarefas e possa constituir uma companhia, é uma realização
que antevejo algo longínqua.
Já há grandes desenvolvimentos
no controlo de robots por voz. Quando poderão eles
manter uma conversa?
Se o objectivo é usar robôs comandados por voz,
isto é, que os humanos possam usar a sua voz como forma
de comando isso já é possível e é
eficaz. Basta adoptar uma semântica, um mecanismo de
reconhecimento de voz, um mecanismo de disparo de eventos
e as respectivas rotinas de serviço a esses eventos.
Não é complicado, mesmo em ambiente industrial,
isto é, máquinas que são capazes de interpretar
a voz humana, e de alguma forma “entender” o que
diz, e responder sintetizando uma linguagem semelhante estão
em desenvolvimento. Os modernos sistemas de reconhecimento
e sintetização de voz permitam uma interface
natural com os humanos.
Manter uma conversa implica entender a complicada linguagem
humana. Implica dar sentido a uma frase, entender uma ideia
manifestada por uma frase, a lógica de um discurso
que muitas vezes está no tipo de palavras usadas, na
acentuação, na forma, no sentido que é
dado à palavra ou frase naquele contexto, etc. Isso
é altamente complexo. Exige discernimento e, consequentemente,
aprendizagem e inteligência. São tarefas da esfera
da inteligência artificial, a qual necessita de máquinas
mais poderosas, de desenvolvimentos na forma de programar,
na capacidade de aprendizagem, na forma de relacionar experiências
e retirar ensinamentos dessas experiências, na forma
de representar esse “conhecimento” para que possa
ser usado eficientemente, etc. É um trabalho muito
exigente ainda dependente de desenvolvimentos científicos
e tecnológicos, o que torna uma previsão muito
difícil.
Ou seja, o C3PO é ainda uma realização
longínqua. |