Freitas-Magalhães
“O sorriso – essa curva
simples que tudo pode endireitar.”
O que pretende a neurociência
social?
A literatura científica é ampla na identificação
e caracterização das estruturas neuronais. Por
isso, neste momento, o foco primordial é estudar a
funcionalidade da complexidade neuronal ao nível da
partilha social e quais os estímulos externos moderadores.
Deste conhecimento resultará, certamente, melhor e
global leitura sobre os processos da actividade mental. Neste
particular, a psicobiologia e a psicofisiologia estão
em franco desenvolvimento. Compreender o indivíduo
como uma unidade social – fruto de inúmeras trocas
de informação cerebral com o ambiente externo
– é um dos desígnios da neurociência
social. O estudo da expressão facial da emoção
é um exemplo concreto.
Em que fase nos encontramos na sistematização
dos processos da mente?
O mais importante é compreender a funcionalidade desses
processos, isto é, para que servem, qual a sua utilidade
em contexto social. Nesse sentido, o estudo das emoções
surge como paradigmático pois permite verificar o estado
actual de desenvolvimento. O reconhecimento das emoções
implica o normal funcionamento dos processos da mente em conjugação
com toda a estrutura cerebral. Todo o processo de reconhecimento,
e posterior utilização, das emoções
é, sem dúvida, complexo e, ao mesmo tempo, decisivo
para a sobrevivência do indivíduo. Como seria
o indivíduo sem emoções? Há muito,
ainda, para descobrir sobre a função das emoções.
Por isso, o estudo dos processos da mente vai continuar por
muitos anos…
Das seis emoções básicas,
apenas uma, a alegria, se refere ao prazer. Tal deve-se a
exprimirmos de maneira mais diversificada emoções
negativas ou é uma questão de sistematização
e nomenclatura?
Os estudos apontam para uma exibição mais frequente
das emoções negativas do que das positivas e
tal se deve a motivos de ordem filo e ontogenética,
não se trata de sistematização e nomenclatura.
O que é o sorriso?
O rosto está no topo da lista da autoconsciência
humana e o sorriso é uma fonte poderosa de recompensas
interpessoais. É o sorriso – essa curva simples
que tudo pode endireitar – que dá movimento e
dinâmica ao rosto. O sorriso é considerado uma
das primeiras expressões da criança, a par da
facilidade de alimentação, profundidade do sono
e aceitação da ausência da mãe.
O fenómeno do sorriso não é apenas identificado
pela retracção das comissuras labiais para trás
e para cima. O sorriso é definido em dois eixos fundamentais:
o eixo muscular e o eixo da funcionalidade. Quanto ao primeiro,
para a exibição do sorriso no palco do rosto,
é imprescindível o exercício concreto
dos músculos que circulam a boca do indivíduo,
designadamente os orbiculares oris e os zigomaticus. Quanto
ao segundo, e essa a minha preocupação científica
corrente, refere-se à função do fenómeno
no desenvolvimento do psiquismo humano no contexto das interacções
sociais. O sorriso contribui, decisivamente, para o desenvolvimento
afectivo e cognitivo do indivíduo como sinal de meta-comunicação
que é.
Quais são os factores condicionantes
do sorriso? Por exemplo, o género e a idade têm
influência no tipo de sorriso?
É evidente que sim. Embora a morfologia do sorriso
permaneça a mesma durante o ciclo vital, a sua exibição
vai alterar-se em função da idade, do género
e da cultura ou contexto social. Os moderadores que referiu
assumem papel decisivo na compreensão conotativa do
sorriso. Os estudos que fiz não deixam a menor dúvida
– a mulher sorriso mais vezes e com maior intensidade
do que o homem. A mulher faz uso do sorriso, não porque
o fenómeno lhe seja inerente enquanto pertença
do género feminino, mas porque ela sente necessidade
de, em contextos de tensão, por exemplo, se mostrar
agradável e prestável, evitando preocupar os
outros. O sorriso é o mecanismo ideal que a mulher
encontrou para dissimular os seus momentos de fragilidade
psicológica. O homem sorri menos e com menor intensidade
porque desenvolve a ideia que ao exibir inúmeras vezes
o sorriso está a exercitar um comportamento feminino.
O sorriso do homem é mais seleccionado em função
do contexto e da finalidade, é um sorriso que traduz
o desejo de dominação.
Como é que isso se traduz em
termos de expressão facial?
O sorriso aparece precocemente no rosto da criança.
Aliás, o sorriso é inato. É possível,
hoje, através da ecografia a 3 dimensões, observar
o bebé a sorrir ainda no útero da mãe.
Qual a função deste sorriso? Será apenas
uma reacção dos neurotransmissores? Esta é
uma linha de investigação por explorar. O sorriso
aparece muito cedo no rosto da criança, acentuando-se
na vida reprodutiva e rareando na velhice. Ou seja, o sorriso,
como tudo na vida, nasce, desenvolve-se e morre. E o rosto
é o palco ideal – porque é a área
do corpo que não se esconde, pelo menos em grande parte
do mundo – para se verificar isso mesmo, ou seja, há
uma diminuição da intensidade e da frequência
do sorriso ao longo da vida.
Quais são os objectivos do seu
estudo e qual a sua importância a nível científico?
A importância é precoce na vida de qualquer indivíduo.
O sorriso é um dos principais organizadores do psiquismo
humano e uma fonte segura de recompensas pessoais e interpessoais.
Desde muito cedo que aprendemos que, pelo sorriso, conseguimos
estabelecer o mecanismo da vinculação e, daí,
tirar o benefício dessa aprendizagem. Mais tarde, o
sorriso deixa o seu carácter involuntário e
passa a assumir a configuração voluntária,
induzida e de dissimulação. Nesta fase, aprendemos
a dissimular as nossas emoções com a exibição
do sorriso. O sorriso é explicado como catalisador
entre a tensão e a descontracção, sendo
o seu valor biológico inquestionável ao nível
do despertar do afecto e da compreensão cognitiva.
Usualmente, o sorriso está associado a sentimentos
positivos como a felicidade, o prazer, o divertimento ou a
amizade. Porém, expressa também ironia, tristeza,
insatisfação, desgosto e embaraço. O
estudo “A psicofisiologia do sorriso humano: construção
e efeito emocionais em portugueses” é mais uma
linha de investigação no espectro do estudo
científico sobre o fenómeno que iniciei há
20 anos.
Que fantasmas acordarão com
a sua investigação?
Não faço investigação para “acordar
fantasmas” – faço investigação
por pleno prazer pessoal e pela utilidade que tal tarefa pode
significar para as pessoas. Entendo a ciência como um
exercício de partilha. O sorriso, por exemplo, encerra,
em si, todo o enigma que atrai a investigação.
E ainda porque, considerado um dos organizadores do psiquismo
humano, é usado quase todos os dias e, frequentemente,
não sabemos a sua função. O sorriso envelhece
e denuncia-nos os sentidos e as coordenadas. Actualmente,
a minha linha de investigação centra-se na utilidade
das emoções na vida dos indivíduos. |