Pedro Arrojo
“Os rios e os lagos são
muito mais do que meros canais de água.”
Em traços gerais como se baseia
esta nova cultura da água que a sua fundação
defende?
O que pensamos é que estamos num momento de profunda
mudança na gestão das águas. A abordagem
clássica compreendia a água como um simples
recurso económico e os rios como meros canais de H2O.
É preciso mudar os valores em jogo para mudar da gestão
de recursos à gestão de um ecossistema. O exemplo
é a diferença, entendida já por todos,
entre a gestão madeireira e a gestão florestal.
Da mesma forma que a floresta é muito mais do que um
armazém de madeira, os rios e os lagos são também
muito mais do que meros canais de água. Deixa de ser
uma questão estritamente económica para passar
a ter um destaque ecosistémico no qual o objectivo
é a gestão sustentada.
A água como recurso tem sido
historicamente motivo para várias guerras, certo?
No meu entender, tem sido mais um pretexto do que uma razão
para gerar guerras. Passa-se algo parecido com o território
que tem sido motivo de guerras mas não acredito, por
exemplo, que merecesse a pena fazer uma guerra por Gibraltar.
O que acontece é que a água é um elemento
muito emblemático e facilmente se transforma em bandeira
de demagogia e reivindicações várias.
A nova cultura da água despreza
o valor económico deste recurso?
Não é que despreze o uso económico da
água, da mesma maneira que não se despreza na
política florestal o uso económico da madeira,
o que se entende é que o objectivo económico
está subordinado ao princípio de sustentabilidade
e de conservação do ecossistema. É possível
fazer uma boa gestão económica se esta for sustentável.
O que é um mau negócio é um rio contaminado
ou seco.
Ainda estamos a tempo de inverter a
tendência?
Estamos a tempo de muita coisa e estamos fora de tempo de
muitas outras coisas irreversíveis. Em particular nos
rios, ainda que tenhamos tomado acções e tenhamos
dado destaques que resultaram em impactos irreversíveis,
o certo é que têm uma capacidade regenerativa
muito grande. Quando fazemos um esforço de depuração
muitos dos ecossistemas fluviais demonstram uma grande capacidade
de regeneração. Felizmente, ainda estamos a
tempo de recuperar muito do que perdemos por inconsciência
e por irresponsabilidade.
Na Península Ibérica
está cada vez mais presente a preocupação
pela seca. Que medidas concretas é preciso desenvolver
para combatê-la?
O princípio é recuperar o bom estado dos nossos
sistemas fluviais, o que se conhece a nível científico
como aumentar a resiliência dos ecossistemas naturais.
É a capacidade de regeneração, a inércia,
a capacidade de controlo e de estabilidade que têm os
próprios ecossistemas quando estão em bom estado.
Este elemento de inércia é muito mais potente
que as barragens. Em caso de seca existem dois tipos de sistemas
naturais que são vitais e que se devem recuperar para
que possam ser uma peça chave na luta contra a seca:
os aquíferos e os pântanos.
O que se deve fazer com os aquíferos?
O que se passa é que houve descuidos já que
em alguns sítios não são utilizados uma
vez que são demasiados caros e noutros houve uma sobreexploração,
o que de uma maneira ou outra deixa de ser uma peça
útil para gerir a seca. A recuperação
dos aquíferos é essencial e isso consegue-se
diminuindo o seu uso em tempos de normalidade para transformá-los
em peças estratégicas de gestão de seca.
E com os pântanos?
Os pântanos não só dão uma capacidade
de regulação de muita inércia às
bacias hidrográficas como também são
macro depuradores naturais e isso é importantíssimo
em tempos de seca, já que o principal problema não
é o elemento quantitativo mas sim o qualitativo. Ter
muita água contaminada é pior do que não
tê-la de todo. As estratégias não devem
centrar-se apenas na conservação da quantidade
mas também na qualidade dos momentos de normalidade
para poder fazer frente às secas e nisso os pântanos
são vitais.
Que mais deve ser feito?
Deve-se mudar o sistema tradicional das barragens passando
das estratégias de gestão anuais para estratégias
plurianuais. Isso permitiria suportar, graças à
enorme infra-estrutura hidráulica existente na península,
dois anos seguidos de seca, coisa que actualmente não
acontece já que um ano de seca faz tremer todo o sistema.
A chave está em reduzir o uso que é feito das
barragens e especialmente da superfície de risco que
se mantém em tempo de normalidade para haja água
disponível nos anos de seca. Mudar o uso maximalista
por um uso preventivo.
E nas cidades?
Outro ponto chave da modernização das redes
urbanas. Não se trata de poupar água para dedicá-la
a novos crescimentos urbanísticos, trata-se de dedicar
a poupança que gera a modernização urbana
para aumentar a garantia em anos de seca. Passa-se o mesmo
com a reutilização, o que não deve servir
para fazer campos de golfe, deve servir para armazenar e prevenir
situações de seca.
Fábricas dessalinizadoras ou
transvazes?
Dessalinizadoras. Não podem ser feitos micro investimentos
sistemáticos para resolver situações
de conjuntura. É muito mais flexível, modular
e económico utilizar a tecnologia de dessalinização
da água do mar em zonas costeiras do que construir
macro infra-estruturas como transvazes a 800 quilómetros
de distância.
Algo mais?
Sim, flexibilizar o sistema criando os bancos públicos
de água que permitem uma governabilidade democrática,
não conflituosa, na qual os usuários de menor
rentabilidade estão dispostos a ceder parte dos seus
caudais a troco de uma compensação económica
bem negociada e os usuários mais exigentes, que têm
maior capacidade económica, pagam a água mais
cara e tudo sobre controlo público para que não
existam movimentações especulativas.
Em conclusão, o objectivo não
é o de gerar mais dinheiro mas sim o de manter o ecossistema,
certo?
No fundo, ao poupar acaba-se por gerar mais dinheiro posto
que uma seca mal cuidada gera perdas notáveis. Trata-se
de fazer uma economia preventiva da mesma maneira que fazemos
quando nos certificamos que está tudo em segurança
com o nosso carro. Não perdemos dinheiro, ganhamos
na prevenção e a longo prazo acaba-se sempre
por ganhar. Não é um problema de meio ambiente
ou de protecção das gerações futuras,
é uma política inteligente. É compreender
o conto da galinha dos ovos de ouro, onde o animal não
importa, o que importa são os ovos de ouro que põe
todas as manhãs. O negócio está em cuidar
bem da galinha. Prevenir as secas é um sintoma de uma
boa economia.
entrevista de Jordi Bascuñana
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