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#07| 12 Setembro 05
 

Professor Universitário/ Sociólogo
Campeão Nacional em Rugby 1981

“Professor universitário, sociólogo, instalado na vida e com o sentimento de ser carro vassoura de uma sociedade que está a desaparecer. Quixotescamente, dizem-me, preocupado com o mundo que a arrogante geração do "baby boom" vai deixar aos nossos descendentes, esperançado que as boas sementes da "imaginação ao poder", dos "direitos humanos", de "todos iguais, todos diferentes", do "outro mundo é possível" possam ajudar-nos a reflorir por dentro e por fora, tornando a luta diária numa oportunidade de bem estar, em vez de apenas uma obrigação de sobrevivência. Do ponto de vista material não tem qualquer justificação uns andarem a trabalhar para consumirem - no tempo de lazer - e outros parados, observando o mundo pelas TV, à espera da morte. São a exploração, a importância exagerada que muitos humanos dedicam à adoração do vil metal e do poder a ele associado, e a violência simbólica instituída e a violência institucional legitimada, as principais fontes do nosso mal estar.”

Livros publicados:

Dores, António Pedro, Espírito Proibicionista, Oeiras, Celta, 2005.

Dores, António Pedro e António Manuel de Alte Pinho, Vozes contra o silênciomovimentos sociais nas prisões portuguesas, Lisboa, edições Margem, colecção Documentos, edição em CDROM, 2004.

Dores, António Pedro (org), Prisões na Europa - um debate que apenas começa - European prisons – starting a debate, Oeiras, Celta, 2003.

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António Pedro Dores
“Crime organizado, refere-se a empresas legais, semi-legais ou completamente informais.”

A Solidariedade é um valor em decadência?
A teoria social foi criada, pode-se dizê-lo, para responder a essa pergunta. E por isso cada sociólogo pode distinguir-se dos outros pela maneira como responde a esta questão chave. Para os conservadores ou reaccionários a resposta é SIM. Para os progressistas ou revolucionários a resposta é que estamos a construir uma solidariedade melhor, tipo vermelha, com amanhãs que cantam, ou tipo Estado Social, cor-de-rosa. A escolha parece ser entre a liberdade do indivíduo ou a submissão aos interesses colectivos. Para atingir esses fins ideológicos, os (neo-)liberais entendem dever dessolidarizar-se com os famintos, os doentes, os desempregados, e também as crianças e mulheres do Mundo, que a seus olhos morrem que nem tordos, elas por boas razões: a produção, o comércio e os lucros. Para atingir os outros fins ideológicos, as esquerdas são moralistas apenas na oposição. Uma vez no poder, mostra-o a União Soviética de forma radical, qualquer meio justifica não se sabem bem que fins. Mostra a luta do PT brasileiro que há riscos ainda presentes.
O capitalismo justifica-se a si mesmo, como temos ouvido a propósito das guerras por esse mundo, por ser pacífico e querer apenas que os mercados funcionem, prova cabal do seu pacifismo. Todavia, morrem milhões de camponeses e outros são expulsos todos os dias das suas terras porque os estados mais ricos mantém firmemente os seus produtos agrícolas subsidiados, desertificando a concorrência pela execução aleatória de seres humanos em lugares onde chegam os lixos tóxicos mas não chegam os alimentos que todos os anos são destruídos por serem excessivos.
É de Giddens, o mais famoso sociólogo inglês, a proposta. A realização é de Tony Blair: radicalismo conservador! Será por isso que a Inglaterra, nos últimos anos conseguiu ultrapassar Portugal no número relativo de prisioneiros e, mesmo assim, ainda se considera o país mais liberal do Mundo? Está difícil de encontrar uma fórmula.
A solidariedade é uma característica humana natural. Mas também o é a violência e o terror, a discriminação e o abuso de poder. A solidariedade não pode ser analisada isoladamente, mas num quadro empírico mais geral. A solidariedade não é eticamente irrepreensível. Nem sempre é boa notícia, como facilmente se percebe se evocarmos dramas provocados pelas intromissões aldeãs na vida uns dos outros, ou se evocarmos as brutalidades inenarráveis que se passam em infantários, orfanatos ou casas de saúde, supostamente solidárias.

A transgressão social é uma das formas de afirmar a nossa existência individual?
Para Durkheim, um dos fundadores da sociologia, a transgressão é uma das formas elementares da vida religiosa, que por sua vez é uma das formas elementares de cognição humana e de manifestação da sociabilidade humana.
O sagrado, segundo o autor clássico, é a transgressão radical do profano. E vice-versa. Ainda hoje ao Domingo se diz que tudo deve parar para que o tempo desse dia possa ser consagrado. Também os tempos festivos – por exemplo, de forma mais eloquente que noutras festas, o Carnaval – são tempos de transgressão, a que as diversas formas de religiosidade oficial procuram acesso. Veja-se o caso das festas de Sto. António, o Carnaval de Lisboa com padroeiro católico: manifestações pagãs em Alfama e casamentos religiosos na Sé.
A transgressão é antes de mais uma forma de afirmar o compromisso dos transgressores com a sociedade, realizando eles aquilo que a sociedade deseja, mas por qualquer razão não pode (ou não se atreve) a fazer. Isso explica porque, apesar de arguidos, há alguns candidatos a autarcas que, mesmo contra o parecer dos respectivos partidos, têm apoio popular e podem mesmo ganhar eleições, para continuarem a fazer como o povo gosta…

Se a prisão não é correctiva, o que o seria?
A prisão é correctiva. Mas apenas no sentido em que fumar é bom. Devia haver uma campanha anti-prisional como há uma campanha anti-tabágica: faz mal à saúde. Evidentemente, faz mal à saúde de quem está preso ou trabalha nas prisões, dada a carga de perversidade moral com que apanham todos os dias. Faz mal à saúde pública: sabia que a origem do maior surto de tuberculose do século XX na Europa foi uma cadeia lisboeta? Faz mal à saúde moral, principalmente. Como é possível que se use o crime para combater o crime? Como é possível que para combater a pandemia de toxicodependência se pense em cercar toxicodependentes entre muros altos, para intimar os outros a não procederem do mesmo modo? Como é possível que os Tribunais condenem à prisão os traficantes, se o Estado tolera o mesmo tráfico nas suas barbas penitenciárias, como nas “lavandarias” bancárias?
Se os tribunais podem continuar a condenar traficantes sem se ocuparem do que se passa nas prisões, porque razão não poderá cada cidadão exigir dos outros aquilo que efectivamente não está disposto a cumprir? Não será este um dos principais problemas políticos do nosso país? E até da civilização ocidental, neste momento? Não é a isso que se refere o Presidente da República Jorge Sampaio quando reclama pelo facto de as leis serem meras sugestões? Não é disso que sofrem os líderes do Ocidente quando acusam Saddam Hussein de enganar a comunidade internacional por esconder armas de destruição maciça, ao mesmíssimo tempo que mentem aos representados que os elegeram?

O crime organizado é um comportamento desviante?
O crime tem classe social. De acordo com as últimas – e perigosas – doutrinas penais (conhecidas por “direito do inimigo”) há os crimes económicos, cometidos por empreendedores, que já não são muitas vezes penalizados com sentenças de prisão e perante os quais doutrina mais firme deveria ser produzida para abolir definitivamente a pena de prisão para essa gente. Há os outros tipos de crime, que podem ser insultos à autoridade ou andar de transportes públicos sem pagar ou matar outrem. Para esses crimes a pena de prisão deveria manter-se a norma. Para os crimes do “inimigo” – leia-se principalmente os cometidos ou imaginados por estrangeiros –, como já acontece nos EUA e está a ser proposto em Inglaterra, a pretexto dos últimos ataques terroristas, suspender-se-iam os direitos fundamentais de identidade e de defesa. Por se opor a isto, em livro, Freitas do Amaral foi acusado de anti-americano.
Para responder directamente à pergunta: comportamento desviante refere-se a práticas juvenis transgressivas. Quando são filhos de classes altas ou médias, são traquinices ou aventuras. Quando são filhos dos pobres anónimos são indícios de tendências criminogéneas. Mesmo quando a pessoa é simpática de se ver e ouvir, há sempre um técnico de reintegração social disponível para explicar que se trata de uma vítima de sub-culturas de origem, perigosos substitutos sociais dos genes, já muito denunciados como recurso ideológico usado por nazis.
Crime organizado, por seu lado, refere-se a empresas legais, semi-legais ou completamente informais que trabalham em rede e servem personagens conhecidas dos telejornais e das revistas cor-de-rosa. Nada há de desviante no crime organizado. É uma parte integrante do sistema social em que vivemos. E que só poderá ser combatido se for identificado como problema social, o que segundo Maria José Morgado, não é o caso em Portugal.

O que é que é mais ocultado sobre a tortura?
O gozo que dá ao público em geral saber que há instituições que podem torturar pessoas que o mereçam.
Uma vez aconteceu-me discutir o assunto com um advogado brasileiro, partidário da alter-globalização, que tinha sido torturado na cadeia e que era obrigado a proceder com tácticas de clandestinidade para não ser apanhado pelos seus inimigos com posições nas instituições do Estado brasileiro. Coloquei-lhe a perspectiva de uma sociedade a construir em que a prisão fosse abolida. Ele ficou muito espantado e perguntou-me: “Os que me torturaram não vão pagar? Isso não aceito!”
O público, por sua vez, está disposto a delegar no sistema de justiça a “racionalização” da tortura, consoante a avaliação geral que o sistema possa fazer de cada caso concreto em função do quadro geral de criminalidade. Essa é uma fonte líquida de legitimidade dos poderes do Estado moderno, de resto herança da pré-modernidade. E os que têm poder para interferir nas decisões – através dos poderes legislativo, policial, acusatório e persecutório, do poder de investigação (ou não) do poder punitivo – fazem-no para proveito próprio, e também de amigos e conhecidos. Sofrem as pessoas isoladas neste mundo às nossas mãos colectivas, com culpa ou sem ela, haja crime ou não. Umas mãos lavam as outras, como se usa dizer.

Que “outro mundo é possível”?
A vida das pessoas e das sociedades tem altos e baixos. Na minha ideia, estamos a passar um momento depressivo. Por isso me entusiasmo na perspectiva de poder divulgar a mensagem: “a existência de prisões é vergonhosa e comprometedora”. Parece-me mais importante isso que os debates sobre se é o estado ou o privado, se são os socialistas ou os sociais-democratas, se são os republicanos se são os democratas, sem menosprezo para a política. Ao contrário. Só não percebo como se pode fazer política sem ter uma discussão séria sobre os sofrimentos directos (e não apenas os imaginados) que o Estado e as empresas e o público inflige aos que não se podem defender, muitas vezes simplesmente inocentes, outras vezes arcando com culpas que são de outros e também o são, certamente, de todos nós.
Em Espanha existem organizações que apoiam o combate pela prevenção da tortura e o governo definiu isso como uma prioridade. Em Portugal ainda não aconteceu. Quando acontecer, outro mundo será possível.

 
 
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Editor
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