Hugo Ferreira
“As enzimas são as mais
pequenas máquinas existentes.”
Que mundo se está a revelar
com a nanotecnologia?
Pode dizer-se que a escala do nanómetro é aquela
em que opera a vida, no sentido em que os elementos unitários
estruturais e funcionais dos sistemas vivos têm dimensões
nanométricas. Exemplos destes elementos unitários
são as proteínas, os glícidos, os lípidos
e os ácido nucleicos que tanto podem ter funções
estruturais (membranas, citoesqueleto), de transporte (canais
membranares, cadeia de transporte electrónico na fosforilação
oxidativa), de reconhecimento e comunicação
(receptores de membrana, transmissores), de defesa (anticorpos),
de transformação química e estrutural
(enzimas) e de codificação (ADN), entre outras.
Assim sendo, os sistemas vivos conseguem manipular átomos
e conjuntos de átomos dando-lhes novas funcionalidades,
que integradas permitem a existência e evolução
dos próprios sistemas vivos.
Por conseguinte, a nanotecnologia propriamente dita já
existe desde o início da vida, mas apenas nas últimas
décadas o Homem começou a conhecer as leis por
que se rege e a saber manipular a matéria a esta escala.
O potencial deste conhecimento é enorme porque permitirá
conceber e fabricar novos materiais e dispositivos com novas
e melhoradas funcionalidades. Poder-se-á antever num
futuro próximo que todos os produtos de hoje serão
melhores e mais funcionais, ao mesmo tempo que aparecerão
novos produtos, usando as propriedades únicas da nano-escala.
Já é possível,
como Feynman vaticinou, construir dispositivos átomo
a átomo?
De momento não é ainda possível construir
dispositivos átomo a átomo. Embora entusiastas,
como Eric Drexler, estejam a imaginar motores e outras estruturas
construídos a partir de átomos isolados, na
realidade a mistura ou ligação dos átomos
não pode ocorrer de qualquer maneira, estando dependentes
das leis da química-física. Assim sendo um átomo
de carbono não se pode ligar a um átomo de oxigénio
de qualquer modo, será por partilha de um ou dois pares
de electrões e não mais e a ligação
de um terceiro átomo de hidrogénio ao carbono
referido e o arranjo espacial da molécula formada irá
depender da ligação de todos os átomos
intervenientes. A construção de dispositivos
com base no controlo atómico depende pois das leis
que regem essas ligações e, embora estas sejam
conhecidas desde há muito, a manipulação
de átomos não é tecnicamente simples
de fazer. Os primeiros passos começam já a ser
dados, como por exemplo o curral quântico da IBM
ou a assemblagem do nanocarro da Universidade
de Rice.
Em que consiste a nova física
despoletada pela nanotecnologia?
De maneira geral a física da nanotecnologia é
já conhecida da macro-escala (física clássica)
e da física atómica (mecânica quântica).
O que a nano-escala apresenta de interessante é que
as propriedades de matéria e da energia resultam da
combinação da física clássica
e da física quântica. Por conseguinte, observam-se
novos efeitos e propriedades. Em adição, na
nano-escala as diversas forças têm diferentes
importâncias. Por exemplo, ao passo que no dia-a-dia
o efeito da força gravítica dir-se-ia ser o
mais importante e o responsável por manter todas as
coisas na Terra e não a flutuar no espaço, na
nano-escala os corpos são tão pequenos que a
força gravítica é praticamente irrelevante.
Neste caso, as forças electrostáticas serão
as mais importantes e responsáveis pela interacção
entre as diferentes moléculas e superfícies.
Finalmente, a ideia de trabalhar a esta pequena escala está
a levar os cientistas a pensarem de outro modo sobre conceitos
antigos, como a natureza do atrito ou sobre a transferência
de energia, por exemplo.
O que associa nanotecnologia e proteínas?
As proteínas são biomoléculas e têm
dimensões nanométricas. Estas são por
isso mesmo produtos nanotecnológicos inventados pela
vida. Nos organismos vivos as proteínas e os prótidos
em geral têm diversas funções: são
estruturais (citoesqueleto); têm funções
de transporte de biomoléculas, electrões e iões;
estão envolvidas em processos de reconhecimento e comunicação
(receptores membranares), e são activas na transformação
de outras biomoléculas, quer seja na sua degradação,
síntese ou modificação estrutural (enzimas).
Neste último caso, pelo facto de actuarem sobre outras
moléculas, dir-se-ia que as enzimas são as mais
pequenas máquinas existentes. Por exemplo, a ATP-sintase
é uma enzima que aproveita a energia disponível
num gradiente protónico transmembranar e a transforma
em energia química sob a forma de ATP. A enzima é
na verdade um motor rotatório com uma eficiência
de quase 100%, o que a torna no motor mais pequeno e mais
eficiente já alguma vez existente e que está
presente nas membranas das mitocôndrias das nossas células.
Quais as perspectivas de evolução
comercial de dispositivos apoiados em nanotecnologia?
A comercialização de produtos baseados em nanotecnologia
não é recente, mas não tem sido divulgada
como tal. Exemplos de produtos deste género incluem
cremes solares e cosméticos baseados em nanopartículas
e nanocápsulas; zeólitos utilizados na refinação
de petróleo, tacos de golfe e raquetes de ténis
baseadas em nanotubos de carbono e discos rígidos dos
computadores cujos bits são pequenas ilhas magnéticas.
A investigação está a prosseguir igualmente
em diversas áreas, sendo que os maiores avanços
se verificam ao nível dos materiais. Por conseguinte,
antes de estar disponível no mercado um dispositivo
constituído unicamente por componentes nanométricos,
aparecerão diversos produtos baseados nos novos materiais
desenvolvidos. Em qualquer caso, espera-se uma revolução
nos produtos a todos os níveis: desde os têxteis
e polímeros até às energias e tecnologias
da informação e comunicação. |