João Pedro Correia
“Os animais em cativeiro são
bastiões e representantes da sua espécie no
Meio Natural.”
Que cuidados se deve ter no transporte
de animais marinhos vivos?
O transporte de animais marinhos vivos é extraordinariamente
complexo devido ao facto, precisamente, de envolver a utilização
de água salgada, meio particularmente corrosivo. Paralelamente,
o volume de água utilizada num transporte é
consideravelmente inferior ao volume em que os animais normalmente
habitam (ou estão estabulados), pelo que se torna necessário
assegurar que a qualidade da mesma não se deteriore
ao longo do tempo de duração do transporte.
É imprescindível assegurar, por isso, que:
- Os recipientes (tanques) utilizados são construídos
de forma segura e robusta, não permitindo qualquer
tipo de fuga de água. Este facto é particularmente
importante quando se movem várias dezenas de tanques
dentro de um Boeing 747 de carga (por exemplo) porque alguma
água salgada extraviada facilmente poderia infiltrar-se
nos compartimentos onde estão albergados instrumentos
electrónicos, o que poderia ter consequências
trágicas.
- A qualidade da água deverá permanecer dentro
de padrões rigorosos, particularmente parâmetros
como oxigénio dissolvido, amónia, pH e temperatura.
Cada tanque é, por isso, equipado com um "kit"
de filtração (tradicionalmente movido a bombas
de 12 V) que assegura a manutenção dos parâmetros
dentro de limites estreitos. A observação e
monitorização do equipamento, água e
animais é, por isso, uma tarefa constante e obrigatória
durante um transporte.
- É também imprescindível conhecer com
detalhe o comportamento e aspectos biológicos dos animais
a serem transportados. Espécies diferentes requerem
necessidades de espaço diferentes e têm limites
de tolerância para variações de parâmetros
físico-químicos muito distintas. O transporte
de um cardume de atuns, por exemplo, necessita de um volume
de água muito substancial e injecção
de oxigénio acima da média, dada a natureza
essencialmente pelágica e particularmente delicada
destes animais. O transporte de um polvo, pelo contrário,
poderá ser tão simples como a colocação
do mesmo dentro de um saco com água e oxigénio,
devidamente selado.
O artigo de Smith et al. (2004) disponibiliza detalhes sobre
o transporte de tubarões e raias. Os cuidados a serem
observados no transporte destes animais são pertinentes
para um grande número de outras espécies marinhas.
Os artigos de Correia (2001) e Young et al. (2002) disponibilizam
informação adicional específica sobre
o transporte de longo-curso de quimeras, cantarilhos e tubarões-martelo.
Quais os limites ecológicos
para a pesca comercial de tubarões e raias?
Não é possível responder de uma forma
directa a essa questão dada a escassez de informação
sobre o tema. Sabe-se, contudo, que os tubarões e raias
são espécies, na sua maioria, tipicamente K-seleccionadas.
Isto significa que têm características biológicas
que se aproximam dos mamíferos superiores como, por
exemplo, capacidade reprodutiva baixa (i.e. baixa fecundidade,
tempos de gestação longos, reduzido número
de crias, etc.) e crescimento lento. Estas características
tornam estas espécies particularmente susceptíveis
a fenómenos de sobrepesca. Classicamente, a pesca a
tubarões e raias segue um padrão vulgarmente
designado por "boom and bust", segundo o qual as
capturas aumentam repentinamente no início da exploração
de um stock para, poucos anos depois, se precipitarem subitamente
para valores muito baixos, dada a incapacidade destes animais
para reporem os números retirados. O padrão
de "boom and bust" já foi detectado em várias
espécies vulgarmente pescadas em Portugal, nomeadamente
o Barroso (Centrophorus granulosus), entre outras, segundo
descrito por Correia e Smith (2004).
A título de curiosidade podem citar-se as seguintes
referências, que descrevem casos clássicos de
pesca "boom and bust" com elasmobrânquios:
Parker e Stott (1965) e Anderson (1990).
Qual a verdade sobre a agressividade
dos tubarões?
A verdade é que NÃO são espécies
naturalmente agressivas. Se o fossem, o número de incidentes
com seres humanos seria substancialmente superior à
média anual de 40~45 que se tem mantido nas últimas
décadas, apesar do número crescente de utilizadores
recreativos do meio marinho. Note-se que 40~45 será
o número de acidentes rodoviários por SEMANA
numa estrada concorrida como, por exemplo, o IC19 ou A5.
Os tubarões são animais tradicionalmente curiosos
mas muitíssimo cautelosos. Só em circunstâncias
muito especiais se aproximam demasiado de um ser humano e
só em circunstâncias, de todo, invulgares poderão
mordê-lo. Por exemplo:
- Tubarões considerados de grande porte (comprimento
superior a 3 metros) terão, naturalmente, pouco a recear
de um ser humano. Será aconselhável, por isso,
não frequentar áreas onde abundem animais com
esta dimensão, particularmente se a sua dieta incluir
animais que se assemelhem, de alguma forma, a seres humanos.
Um exemplo clássico desta situação surge
na Califórnia e África do Sul, onde populações
de tubarões-brancos se alimentam de pinípedes
em áreas normalmente frequentadas por surfistas; os
surfistas, vistos de um plano inferior, são fatalmente
confundidos por uma foca e são, ocasionalmente, mordidos.
- Todos os animais (marinhos e terrestres) são atraídos
por cheiros associados a alimentação. Os tubarões
não são excepção. Um caçador-submarino
com vários peixes mortos no seu cinto ou bóia
torna-se um alvo preferencial, já que os líquidos
que se libertam dos animais mortos (aliados às frequências
emitidas pelos seus movimentos erráticos quando são
arpoados) constituem um chamariz perfeito.
Com excepção das situações descritas
(e similares), os tubarões tenderão naturalmente
a inspeccionar qualquer objecto numa área e, depois,
a afastar-se. É absolutamente errado, por isso, dizer
que são animais naturalmente agressivos.
A título de exemplo pode referir-se que os incidentes
com elefantes, crocodilos, hipopótamos e com grandes
felinos (leões, tigres, etc.) são vastamente
mais numerosos do que os incidentes com tubarões.
Quais as características distintivas
do Oceanário de Lisboa?
O Oceanário de Lisboa possui uma exposição
única no mundo, retratando quatro habitats muito distintos:
Atlântico Norte, Mares do Sul (Antárctico), Pacífico
Temperado e Índico Tropical. Esta diversidade está
associada a soluções tecnologicamente avançadas,
já que se torna necessário controlar várias
dezenas de tanques com parâmetros físico-químicos
muito distintos. A colecção de animais em exposição
no Oceanário tem, também, características
únicas, incluindo espécies como a Manta Gigante
(Manta birostris - único exemplar em exposição
na Europa), Diabo-do-mar (Mobula mobular), Peixes-lua (Mola
mola), Atum-rabilho (Thunnus thynnus) e um impressionante
cardume de Cavalas (Scomber spp.), entre muitas outras.
Esta diversidade de Habitats e espécies levou a jovem
equipa do Oceanário a especializar-se em matérias
muito particulares, sendo essa especialização
reconhecida pelos seus pares internacionais. Actualmente,
se uma instituição tem alguma dúvida
sobre a manutenção (incluindo reprodução)
dos grupos de animais a seguir enumerados irá, invariavelmente,
buscar a opinião dos técnicos do Oceanário
sobre o assunto: corais, chocos, medusas, cavalos-marinhos,
lontras-marinhas, alcídeos, tubarões e pinguins.
Qual o potencial didáctico dos
zoos marinhos?
Existem, actualmente, vários milhares de Aquários
Públicos no Mundo inteiro. Esses Aquários recebem
largas dezenas de milhões de visitantes por ano, constituindo
um manancial de população, passível de
ser educada acerca de boas práticas ambientais, muito
significativo. A acção dos Aquários Públicos,
hoje em dia, está bastante distante do aspecto lúdico,
de mero entretenimento e diversão que pautou esta actividade
no seu início, em finais do Séc. XIX. Actualmente,
a esmagadora maioria dos Aquários Públicos expõe
animais ao público com um elevadíssimo grau
de preocupação com o seu bem-estar e envolvência
natural. Os animais em cativeiro são encarados como
bastiões e representantes da sua espécie no
Meio Natural. Estes animais agem, certamente, como “chamariz”
para atrair um público sedento de originalidade e que,
enquanto percorre a exposição, é subliminar
e, por vezes, activamente imerso numa cultura ambientalmente
positiva, aprendendo ‘dicas’ e formas de adoptar
um estilo de vida sustentável e respeitador do Meio
Ambiente.
Quais os desafios da piscicultura?
A piscicultura será, a médio prazo, a fonte
primordial de proteína "marinha", já
que muitos dos stocks de peixes capturados no mar estão
em fase de pré-ruptura, alguns mesmo em fase de recuperação
(lenta) após ruptura. O principal desafio enfrentado
pela piscicultura está na sua rentabilidade e imagem.
O problema de rentabilidade está associado ao facto
de que as espécies levam algum tempo a atingir um tamanho
comercialmente aceitável e o investimento, até
que esse ponto seja atingido, é considerável.
Nem todas as espécies são passíveis,
por isso, de serem criadas artificialmente em pisciculturas.
Paralelamente, os animais criados em piscicultura enfrentam
ainda, junto das populações com uma alimentação
predominantemente derivada do mar (onde se incluem várias
zonas de Portugal) um grau de "desconfiança"
elevado. |