Jorge Buescu
“A Ciência é a procura
do erro, não da verdade.” De
onde nasce essa atracção pela desmistificação?
O erro é sempre perigoso, mesmo que possa não
parecer. Compreender melhor o que é o mundo implica
essencialmente compreender o que ele _não_ é,
corrigindo assim as convicções erradas.
O principal objectivo da Ciência é compreender
o mundo, e nos últimos 350 anos tem sido provavelmente
a aventura intelectual mais apaixonante da Humanidade. É,
nas palavras de Einstein, "a coisa mais preciosa que
temos". Curiosamente, é numa época como
a nossa, em que a Humanidade nunca esteve tão envolvida
e dependente da cultura científica, que surgem as mais
bizarras atracções por ocultismos patéticos
e misticismos de bazar.
Como é que se pode despertar
a paixão pela matemática?
Há dois pilares básicos: a família e
a escola. Se uma criança no ensino Básico tem
graves dificuldades na tabuada ou nas áreas e volumes,
é possível que os pais tenham uma atitude de
indiferença, com um argumento como "deixa lá,
eu também sempre fui mau a Matemática".
Será que, se a criança tiver dificuldades em
aprender a ler, também diriam "deixa lá,
eu sempre fui mau a Português"? Depois da família
está a escola. Infelizmente, o nosso sistema escolar
é, no que diz respeito à Matemática,
muito deficitário em relação à
qualidade científica. Sem contar com estes dois pilares
para despertar a paixão, o resto é pouco mais
do que pregar para os convertidos.
Qual o papel dos matemáticos
amadores na comunidade científica?
Na comunidade científica é inevitavelmente quase
nulo. Na grande maioria dos casos os amadores bem intencionados
(e tenho experiência pessoal de dezenas de casos) são
pessoas cuja preparação científica em
Matemática vai pouco além do cálculo
infinitesimal - ou seja, a sua aprendizagem parou na Matemática
de há 300 anos. A probabilidade de um amador conseguir
fazer algo de inovador com as ferramentas de há 3 séculos
é praticamente nula. Esta afirmação não
é específica para a Matemática: é
verdade para qualquer Ciência, ou mesmo fora dela. Tente
imaginar uma fábrica que usasse apenas tecnologia de
há três séculos: poderia ser competitiva?
A ideia vitoriana da Ciência como uma espécie
de brincadeira de laboratório de bancada, em que de
repente pode do nada aparecer um Faraday, pertence a um passado
remoto. Para o bem e para o mal, a Ciência é
hoje uma indústria profissional.
Qual a importância do erro em
Ciência?
É essencial. Niels Bohr dizia que "o maior especialista
num assunto é a pessoa que mais erros nele fez".
A Ciência é a procura do erro, não da
verdade. Ao contrário da convicção geral,
uma teoria científica nunca se pode "provar";
não existem experiências que comprovem teorias.
As teorias para serem científicas devem ser "falsificáveis"
- isto é, devem conduzir a previsões inequívocas
que se possam comprovar experimentalmente. Caso a Natureza
não se comporte como a teoria prevê, tanto pior
para a teoria - está errada e vai para o lixo. Caso
a experiência bata certo com os resultados previstos,
isso _não_ prova que a teoria esteja definitivamente
certa: apenas que deve ser aceite provisoriamente como o modelo
mais apropriado para o comportamento da Natureza.
Quão cara pode ficar a ignorância?
Pode ser literalmente uma questão de vida ou de morte.
Se eu começar a sentir dores de cabeça cada
vez que não passam e for adepto das medicinas tradicionais,
posso tentar as homeopatias, acupuncturas e tratamentos não-convencionais.
Talvez estes "tratamentos" até possam libertar
endorfinas e aliviar momentaneamente a dor e eu andar assim
durante uns meses até consultar um neurologista. Mas
se a causa da dor for um tumor cerebral ou um aneurisma, talvez
estes meses perdidos signifiquem a diferença entre
a vida e a morte.
Até onde podem ir os números?
Também ao contrário do imaginário popular,
a Matemática não são números:
são ideias. Um matemático profissional não
toca em números, tal como um engenheiro mecânico
não anda de fato-macaco a reparar automóveis.
Eu só toco em números quando chega a hora de
dividir a conta do jantar.
Se a pergunta se refere, como presumo, à Matemática,
posso fazer a minha profissão de fé: ela não
tem nem terá limites. Cada problema resolvido origina,
no processo de resolução, dez novas perguntas
que antes nem existiam. A Matemática, tal como a Ciência
em geral, nunca se esgotará, porque se descobrem novos
problemas muito mais depressa do que se podem resolver. Esta
é mais uma das razões pelas quais em Matemática
o mais importante não é a resposta, mas o processo
de a construir.
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