Em que consiste
a mecanossíntese?
A mecanossíntese, um processo de moagem a alta
energia e a seco, é um método de síntese
de materiais, frequentemente com estruturas de não
equilíbrio: soluções sólidas
extendidas, ligas formadas a partir de elementos não
miscíveis, fases amorfas, todo o tipo de compostos
e compósitos. Os pós elementares com a
finalidade de serem misturados são introduzidos
nas proporções adequadas em taças
com bolas geralmente feitas de aço endurecido.
A taça é geralmente selada em atmosfera
neutra ou em vazio, sendo então vigorosamente
agitada num moinho de alta energia para produzir colisões
entre as bolas ou entre a taça e bolas com velocidades
de impacto da ordem de alguns m/s e frequências
de choque de cerca de alguns Hz. O processo continuado
de fractura e soldadura das partículas “apanhadas”durante
as colisões faz com que a matéria seja
permanentemente modificada entre ela. Os pós
evoluem progressivamente até um estado estacionário.
Os pós de liga final consistem geralmente em
partículas nanoestruturadas.
A mecanossíntese da mistura de pós de
elementos puros ou de pós de elementos já
parcialmente combinados, deve ser distinguida da moagem
de materiais cuja composição química
permanece a mesma durante a moagem mas cuja estrutura
ou “microestrutura” se modifica. A moagem
é uma forma de induzir transformações
de fase em sólidos: amorfização
ou transformações polimórficas
de compostos, desordem em ligas ordenadas são
exemplos entre outros.
Que vantagens apresentam as ligas por si estudadas?
Em Liliput, Guliver notou que ”há certas
leis e costumes neste Império que são
muito peculiares”, uma observação
que se pode aplicar também a materiais nanoestruturados.
Estes materiais têm de facto comportamentos diferentes
quando comparados com os correspondentes materiais macroscópicos
porque os tamanhos característicos são
mais pequenos que a escala caracteristica dos fenómenos
físicos que ocorrem nos materiais convencionais.
Nos materiais nanoestruturados (consolidados ou em pó)
o tamanho das partículas é grande quando
comparado com o tamanho médio das cristalites
que é menor que 100 nm. Materiais cujas cristalites
variam entre 100 nm e 1 ?m são geralmente chamados
materiais de grão ultrafino. Os materiais convencionais
têm grãos de vários micrómetros.
Assim, para um mesmo volume de amostra, os materiais
nanoestruturados têm mais fronteiras e grão
que os convencionais.
No caso de ligas FeCr e FeV em que a nucleação
de fases causadoras de degradação de propriedades
mecânicas, fragilidade e resistência à
corrosão se dá nas fronteiras de grão,
os materiais nanoestruturados apresentam desvantagens
em relação aos convencionais, uma vez
que há mais centros de nucleação
dessas fases e consequentemente as transformações
são mais rápidas.
Que contributos trás o seu estudo para
a investigação académica?
Os materiais nanoestruturados têm grande interesse
tanto científico como tecnológico devido
às suas propriedades físicas serem em
geral diferentes das dos materiais convencionais policristalinos
e também devido às suas aplicações
já implementadas e potenciais.
Os sistemas Fe-Cr e Fe-V são talvez o melhor
exemplo do uso da mecanossíntese no fabrico do
estado amorfo, uma vez que esta é uma das três
vias - as outras são a evaporação
com taxa de deposição muito lenta e a
produção de filmes finos camada a camada
– para atingir tal estado nos citados sistemas.
Um dos métodos experimentais que tem provado
ser útil neste tipo de estudos é a espectroscopia
de Mössbauer graças à alta sensibilidade
dos parâmetros hiperfinos em relação
ao número de coordenação e campo
cristalino. Assim, os estados desordenados (amorfos)
podem distinguir-se dos ordenados (cristalinos), sendo
isto especialmente importante no caso de sistemas nanocristalinos
em que os métodos de difracção
de raios-X falham quando se quer distinguir sem ambiguidade
entre fases amorfas, nano-cristalinas ou fases separadas
ricas em Fe e ricas em Cr (isto no caso do sistema Fe-Cr).
Para além do estudo de amorfos, também
o estudo da cinética de precipitação
de fases nestas ligas e de fases metaestáveis
(que não aparecem nos diagramas de fase ) se
revelam bastante importantes.
O estudo de propriedades dinâmicas, magnéticas
e estruturais destes sistemas tem contribuído
de modo significativo para o melhor conhecimento destes
materiais.
Considera que, nas instalações
industriais, são suficientemente acauteladas
as deficiências dos materiais e as consequentes
catástrofes ecológicas?
Em aplicações industriais há que
ter em conta o envelhecimento dos materiais que leva
à deterioração das propriedades
mecânicas e os fragilizam. Assim, periodicamente
a manutenção deve ser feita no sentido
da substituição dos materiais.
Que fases da investigação prefere
desenvolver individualmente e em colaboração?
O trabalho em colaboração tanto nacional
como internacional é muito importante, não
só porque cada vez mais se usam várias
técnicas para estudar os materiais que não
estão todas disponíveis no mesmo laboratório,
bem como a discussão científica entre
pessoas ou grupos com os mesmos interesses permite encontrar
respostas adequadas aos resultados obtidos nos estudos
efectuados.
É necessário recorrer à colaboração
com outros laboratórios sempre que técnicas
de que não disponho se mostram necessárias
à investigação proposta. Por outro
lado, com as técnicas que possuo, também
tento dar resposta a pedidos de outros colegas no sentido
de clarificar resultados por eles obtidos por outras
vias experimentais.
Biografia
Professora auxiliar no Departamento de Física
da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade
de Coimbra, no grupo de Física Nuclear da Matéria
Condensada.
Tem vários artigos publicados em revistas internacionais
com sistema de arbitragem e recebeu um prémio
de mérito da Academia Górniczo-Hutnicza
da Polónia pelo seu trabalho desenvolvido em
2005.
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