Os seus estudos
recentes com a telomerasa revolucionaram o campo da
genética. Como descobriram esta enzima?
Inicialmente, a minha intenção era entender
como se duplica o material genético. Trabalhei
nos Estados Unidos com Carol Greider, que encontrou
juntamente com Liz Blackburn uma actividade enzimática,
a telomerasa. Constataram que alguns organismos, apesar
das várias multiplicações, não
perdiam este material nos extremos, o que levava a pensar
que devia existir algum mecanismo que fabricasse telómeros
(material que forma os extremos dos cromossomas). Esse
mecanismo foi chamado de telomerasa e rapidamente se
deram conta que podia estar relacionado com o envelhecimento
e o cancro. As células que não tiveram
telomerasa iam envelhecer e as que tivessem seriam imortais.
Na verdade é uma enzima perversa. Se não
a tens, as células, ao dividirem-se, encurtam
os telómeros, envelhecem e morrem. E se a tens,
as células são imortais, mas enchem-se
de aberrações, tumores e cancro. As nossas
descobertas até ao momento concluem que se a
telomerasa está abaixo de determinados níveis
há um envelhecimento prematuro.
Podemos entender um pouco melhor o que significam os
telómeros se os compararmos com a parte final
dos atacadores dos sapatos. Cada vez que as células
se reproduzem, perde-se um pouco do que seria o plástico
que protege o final desse cordão. No final, ficamos
sem o plástico, pelo que esse cordão se
deteriora e não serve. Isso quer dizer que as
células têm uma data de caducidade da mesma
forma que nós.
Foi possível encontrar alguma relação
entre a telomerasa e o cancro?
Alterámos os genes da telomerasa em ratos. Demos
mais telomerasa a alguns roedores e observámos
que ganham mais cancros, mas os que não o desenvolvem
vivem mais do que os ratos normais. Isto é, descobrimos
que a telomerasa proporciona à célula
a possibilidade de dividir-se indefinidamente, mas não
gera cancro; tem de haver mais coisas que corram mal
na célula para que esta forme um tumor. Eu gostaria
que dentro de uns anos se realizassem ensaios clínicos
com telomerasa e que pudéssemos travar o cancro
graças a ela.
As células cancerosas conseguem viver eternamente
gerando grandes quantidades de telomerasa. Esta molécula,
que usualmente encontra-se regulada, é anormalmente
alta em células malignas, até 100 vezes
mais do que os valores comuns. E isto é o que
faz com que sejam imortais e possam dividir-se indefinidamente.
O cancro é uma doença que costuma
aparecer a partir dos 30 ou 40 anos, que era a esperança
média de vida do Homem até há poucos
séculos atrás. Este mal está relacionado
com o aumento da idade média da humanidade?
É certo que o cancro é uma doença
associada ao envelhecimento e à deterioração
do organismo. Na natureza, raramente encontramos organismos
que envelhecem ou tenham cancro, já que a vida
é interrompida antes por predadores, infecções
ou acidentes. A vida média dos humanos no início
do século XX era apenas de 30 anos e com estas
idades raramente se desenvolve um cancro.
O exemplo mais evidente é o dos ratos. Na natureza
estão preparados para viver sem doenças
e sem cancro durante três meses, mas se conseguirmos
fazer com que vivam durante três anos no laboratório,
então uma metade deles morre de cancro e a outra
de variadas doenças. Com os humanos acontece
que o nosso organismo funciona como uma máquina
perfeita até aos 30 ou 40 anos e depois começa
a degenerar e a perder a capacidade regenerativa, o
que pode dar lugar ao aparecimento de um cancro. Em
resumo, o aumento de casos de cancro está ligado
com o aumento da esperança média de vida,
é inevitável.
Que implicações médicas
poderiam ter estas investigações no futuro?
Não está longe o dia em que as terapias
celulares poderão reparar completamente órgãos
envelhecidos; mas nunca poderemos modificar a nossa
herança genética, que não está
preparada para viver tanto tempo. Em relação
a aplicações futuras em humanos, devemos
esperar ainda algum tempo. Com os ratos vimos que quando
estes estão a ponto de colapsar por terem telómeros
curtos, podemos reintroduzir-lhes telomerasa para retardar
o envelhecimento.
Realizamos algo similar com células humanas no
laboratório e constatámos como a reactivação
da telomerasa é capaz de retardar ou evitar os
processos de envelhecimento. Existem empresas interessadas
em fazer terapia celular com telomerasa. Estes activadores
de telomerasa poderiam ser utilizados em casos relacionados
com o envelhecimento, como por exemplo, para regenerar
feridas em pessoas mais velhas.
Podemos falar também de estratégias de
imunoterapia contra o cancro baseadas em telomerasa
que já estão a ser utilizadas nos Estado
Unidos com resultados bastante prometedores. Sou muito
optimista e penso que a telomerasa será muito
útil em terapias combinadas.
A telomerasa parece ser o elixir da juventude.
Poderíamos viver eternamente se conseguíssemos
fazer com que as nossas células não envelhecessem?
Uma vez que provámos que em animais a perda de
telómeros causa o envelhecimento, queremos ver
agora se é possível o contrario, se se
pode retardar o envelhecimento aumentando o nível
de telomerasa nas células. Não se trata
de tornar as pessoas imortais, o objectivo é
que possamos viver a idade máxima a que estamos
destinados pelos nossos genes com a melhor qualidade
possível, ainda que também é verdade
que não temos que limitarmo-nos a viver os anos
que os nossos genes marcam.
As experiências realizadas com os ratos aos quais
administrámos mais telomerasa demonstram que
os que não morriam de tumores, viviam mais e
com menos patologias associadas ao envelhecimento que
os restantes, mantinham-se mais jovens e prolongavam
a sua idade fértil. Não é uma utopia
pensar em conseguir um rato eterno, mas é complicado.
Recentemente a sua equipa de trabalho encontrou
um novo oncogene que leva ao desenvolvimento de tumores.
Poderia explicar-nos esta descoberta?
Trata-se de uma proteína telomérica denominada
TR F2 (telomere repeat binding factor 2), que até
ao momento não se sabia se tinha um papel activo
no cancro ou era simplesmente um marcador. Esta proteína
tem a particularidade de estar localizada nos telómeros
e descobrimos que tem um papel activo na produção
de tumores: produzindo muitas alterações
ou aberrações nos cromossomas, o que favorece
o crescimento tumoral.
Isso explica que tenhamos encontrado mais TR F2 especialmente
em tumores sólidos, de pulmão, fígado
ou mama, que são os que mais alterações
cromossómicas têm.
Há poucos meses demonstraram também pela
primeira vez que o encurtamento de telómeros
produz defeitos nas células. Que tipo de defeitos?
Descobrimos que o encurtamento ou perda de telómeros
desencadeia alterações epigenéticas
na estrutura da cromatina. Estas alterações
consistem na perda da metilação do ADN
e um aumento da aceitilação das histonas.
Estas alterações epigenéticas poderiam
contribuir para o aparecimento do cancro ou do envelhecimento
do organismo. Além disso, os resultados que temos
explicam que as células tumorais apresentam uma
metilação diminuta das sequências
teloméricas.
Até agora desconheciam-se quais as consequências
da perda de telómeros para a estrutura da cromatina.
É a primeira vez que se demonstra que a perda
de telómeros é a causadora de defeitos
epigenéticos, que por sua vez são comuns
no cancro. Constatámos nas experiências
com os ratos que os que possuíam telómeros
muito curtos sofrem de uma alteração na
estrutura final do cromossoma.
Por último, como foi a sua experiência
até agora no CNIO (Centro Nacional de Investigações
Oncológicas)?
O CNIO é um organismo muito personalista e temos
que ser conscientes que uma vez que um centro arranca
e tem uma direcção científica clara,
é necessário que haja mais cientistas
que contribuam com a sua organização,
de modo a que todo o peso não caia sobre apenas
uma pessoa. Desde que comecei neste centro procuro desenvolver
projectos de ponta que interessem ao mundo inteiro,
que se publiquem nas melhores revistas e que tenham
um grande impacto científico. Contratámos
investigadores jovens que regressaram do estrangeiro
com contratos Ramón y Cajal, e demos-lhes espaço
e dinheiro, e isso parece-me muito importante.
Temos de estar constantemente à procura de dinheiro
para as bolsas, estágios, contratos, para comprar
reactivos para investigar. De certo modo, a minha função
é dirigir as experiências como um realizador
de cinema com os seus actores. Este é o objectivo
de qualquer cientista. A ciência é averiguar
como funcionam as coisas e para tal o mais importante
é fazer as perguntas adequadas; realizar as experiências
é algo técnico, a ciência está
na cabeça do cientista.
Biografia
O cancro é sem duvida a grande doença
do século XXI, afecta milhões de pessoas
em todo o mundo e os seus mistérios ainda não
foram desvendados. Numerosos investigadores batalham
diariamente para encontrar a fórmula mágica
contra este mal. Uma das mais prestigiadas investigadoras
espanholas é María Blasco (Alicante, 1965)
que dirige actualmente o Programa de Oncologia Molecular
do Centro Nacional de Investigações Oncológicas
de Madrid (CNIO). A sua trajectória foi reconhecida
pela Organização Europeia de Biologia
Molecular que a galardoou como “melhor investigador
europeu menor de 40 anos”. No seu currículo
está também incluído o prémio
Josef Steiner entre outros.
entrevista de Javier Fernaud Quintana |