Até que
ponto o Sol influencia o clima na Terra?
Pensa-se hoje em dia que o Sol pode afectar o clima
terrestre através de vários mecanismos.
Dada a problemática do aquecimento global, este
é um assunto que despertou grande interesse nos
últimos anos. Para além da influência
óbvia que o Sol tem sobre a temperatura do nosso
planeta há ainda outros fenómenos menos
conhecidos mas que poderão ser bastante importantes.
A meu ver, podemos tentar seccionar a influência
solar em duas vertentes: uma radiativa e outra magnética.
Quando se fala em influência radiativa, estamos
a falar da radiação solar que chega até
nós na forma de luz visível, infravermelho
(calor), radiação ultra-violeta e raio-X.
O Sol possui um ciclo de actividade de aproximadamente
11 anos ao longo do qual, a quantidade de energia que
debita varia um pouco. Embora para a luz visível
esta variação seja inferior a 1% entre
máximo e mínimo de actividade, no raio-X
e ultra-violeta pode ultrapassar facilmente os 100%.
Pensa-se hoje em dia que o ultra-violeta e o raio-X
de origem solar alteram de alguma forma a química
das camadas superiores da atmosfera terrestre influenciando
assim o sistema climático. Os resultados dessa
interacção, que podem ir desde o aumento
da opacidade da atmosfera (osbcurecimento) até
à produção de gases com efeito
estufa, são agora um campo de pesquisa activo
e com resultados ainda pouco conhecidos.
No que respeita à interacção magnética,
esta é algo mais subtil e complexa. A Terra possui
um um campo magnético, a magnetosfera, (uma espécie
de campo de forças) que nos protege da radiação
cósmica. O Sol, por sua vez, é também
fonte de um "forte" campo magnético
que interage com o campo magnético terrestre
fazendo com que a intensidade deste último varie.
Quando a "intensidade" da magnetosfera diminui,
a Terra fica exposta a um maior fluxo de raios cósmicos
(partículas de alta energia). Alguns grupos de
investigação, estão neste momento
a tentar provar que o fluxo de raios cósmicos
tem um papel preponderante na formação
de nuvens a baixa e média atitude.
Podemos assim dizer que o campo magnético solar
poderá influenciar o clima terrestre através
da modelação do fluxo de raios cósmicos
que dá origem a nuvens. Estes e outros fenómenos
vão agora começando a ser entendidos mas,
devido ao seu elevado grau de complexidade, penso que
ainda existe um largo caminho a percorrer até
se conseguir dizer com alguma certeza seja o que for.
Neste momento está a ser criado no CENTRA (Centro
Multidisciplinar de Astrofísica) do Instituto
Superior Técnico um grupo de investigação
que tem por nome SEI - Sun Earth Interaction. O fundador
deste grupo é o Prof. Ilídio Lopes que
depois de passar por Paris, Cambridge e Oxford decidiu
apostar por este campo de investigação
no nosso país. Estamos neste momento a desenvolver
investigação nesta linha de acção.
Para mais pormenores poderá consultar:
http://centra.ist.utl.pt/research/sei/
Qual o papel das constantes físicas
no actual puzzle científico?
As constantes físicas têm um papel importante
na Física Solar uma vez que esta é uma
área interdisciplinar que envolve os principais
campos da Física. É preciso usar Mecânica
Quântica para explicar a fusão de Hidrogénio
que alimenta o núcleo do Sol; Gravitação,
Termodinâmica, Relatividade e Física Estatística
para se explicar a estrutura da nossa estrela; Electrodinâmica
para explicar os fenómenos magnéticos
que se observam na sua superfície e a radiação
que emite; e por aí fora.
Gostaría no entanto de chamar a atenção
para uma "constante" ligada à Física
Solar que na realidade não é uma constante.
Estou a falar da quantidade de energia que o Sol debita
ou "constante solar". A verdade é que
esta suposta "constante solar" não
é uma constante e, tal como foi referido na pergunta
anterior, varia ao longo do ciclo solar (pouco, mas
varia!).
Qual o interface entre a Astrofísica
Solar e as Ciências Terrestres?
Assumindo que por Ciências Terrestres estamos
a falar de Geofísica/Climatologia, penso que
neste momento o interface entre estas duas áreas
de investigação é o Space Climate
ou "Clima Espacial". Esta área estuda,
entre outras coisas, a relação que a nossa
atmosfera tem com o espaço interplanetário
que nos rodeia. O que acontece quando somos atingidos
por uma nuvem de plasma solar depois de uma ejecção
de massa coronal (CME - Coronal Mass Ejection)? Ou qual
é a resposta da nossa atmosfera a um pico de
radiação X? São perguntas como
estas que o Space Climate tenta responder e cujas respostas
poderão ser muito importantes.
Hoje em dia existem ainda modelos climáticos
(programas informáticos que tentam simular o
nosso clima) usados em Geofísica que não
levam em conta a variabilidade solar. Este facto é
compreensível dado o elevado número de
variáveis que estes programas têm que ter
em conta e que complicam enormemente o trabalho. No
entanto sabemos que o clima terrestre é um sistema
dinâmico e que apenas uma pequena variação
nos parâmetros que o regem, podem ter consequências
bastante grandes. Não sou especialista nesta
área mas penso que seria muito interessante a
adição de uma modelação
da variabilidade solar a este tipo de modelos!
Por outro lado, a Física Solar tem também
um papel importante para outras áreas de investigação
mais fundamentais como por exemplo a Física das
Partículas ou a Física dos Plasmas uma
vez que podemos pensar no Sol como um laboratório
gigante onde se pode ter acesso a condições
que são inatingíveis na Terra.
O que caracteriza uma tempestade solar?
Podemos considerar uma tempestade solar como a reacção
do nosso planeta a vários fenómenos solares.
A conjugação de factores mais usual que
costuma estar na origem das tempestades solares são
as ejecções de massa coronal (CMEs) seguidas
de flares. Uma CME é nada mais nada menos do
que a libertação por parte do Sol de uma
nuvem de plasma da sua "atmosfera". Estas
nuvens de plasma costumam levar consigo grandes campos
magnéticos que ao interagirem com a nossa magnetosfera
dão origem a "folhas de corrente",
deplecção do campo magnético, etc.
As "folhas de corrente" são regiões
onde existe uma grande concentração de
cargas eléctricas devido ao comportamento dos
campos magnéticos. Os nossos satélites
de telecomunicações, por exemplo, ao atravessarem
estas regiões ficam expostos a grandes diferenças
de potencial que podem criar graves avarias a nível
electrónico.
Por vezes, o efeito da CME traduz-se por uma diminuição
significativa do campo magnético terrestre deixando-nos
expostos ao segundo factor das tempestades solares,
os flares. Podemos pensar nos flares como "erupções
solares" de grande energia durante as quais são
libertadas quantidades massivas de radiação
X e partículas aceleradas de alta energia. Essas
partículas (maioritariamente protões e
electrões de alta energia) são normalmente
desviados pela magnetosfera, mas, no caso de esta estar
mais fraca, podem mesmo entrar na nossa atmosfera criando
correntes estratosféricas. Estes vários
fenómenos combinados podem provocar sobrecargas
em linhas de alta tensão que dão origem
a apagões como o que se deu no Canadá
(Quebec) em 1989.
Já os "picos" de raios-x que atingem
o nosso planeta são perigosos para os voos uma
vez que as tripulações e passageiros ficam
expostos a elevadas doses de radiação.
Estes são apenas algumas das consequências
mais visíveis das tempestades solares...
O que é uma lei fractal?
Uma lei fractal é uma lei que rege fenómenos
que se comportam da mesma maneira a várias escalas.
A minha tese de fim curso na Universidade do Algarve
foi feita na área da Física Médica
e teve por título "Espalhamento de luz em
meios túrbidos - uma aproximação
fractal". O intuito deste trabalho foi encontrar
uma maneira de poder simular e estudar o comportamento
da luz laser em tecidos biológicos (meios túrbidos
ou turvos). Os tecidos biológicos são
constituídos por células, que por sua
vez são constituídas por organelos e toda
uma série de pequenos constituintes. Numa primeira
aproximação, podemos imaginar que todos
estes pequenos corpos de várias escalas espalham
a luz como se fossem esferas. Uma parte do trabalho
consistiu em simular, com sucesso, o espalhamento de
luz laser em tecido cerebral e do fígado através
de uma colecção de pequenas esferas em
suspensão num líquido. Basicamente podemos
imaginar uma "sopa" de micro-esferas com diversos
tamanhos (daí o termo fractal) que tem o mesmo
comportamento a nível de espalhamento de luz
que os tecidos biológicos referidos anteriormente.
A isto chamamos um fântoma, i.e., algo que nos
permite estudar certos fenómenos sem termos mesmo
que usar tecidos reais...
O objectivo a médio, longo prazo deste projecto
conduzido pelo Prof. Rui Guerra é a construção
de um aparelho tipo "scanner" que permita
fazer imagens médicas recorrendo apenas à
luz laser, evitando assim os efeitos "menos benignos"
dos raio-X (radiografias e TACs).
Qual o lugar do desporto na sua tempestade
interior?
Para mim, o desporto é uma maneira de combater
a minha "tempestade interior". Durante muitos
anos (15 aproximadamente) pratiquei artes marciais (Kempo)
o que me deu entre outras coisas auto-disciplina e força
de vontade. O Kempo possui uma vertente de competição
de combate que também me foi muito útil
para fugir ao stress do dia a dia... Além das
artes marciais também pratiquei hockey em linha,
ginástica e boxe.
Gosto de me sentir em forma e não dispenso uma
corrida ao fim da tarde para poder "limpar a cabeça".
Tal como diz o ditado "mens sana in corpore sano"...
Biografia
É natural de S.Brás de Alportel onde fez
todo o ensino primário e básico.
Frequentou a escola secundária João de
Deus em Faro desde o 10º ao 12º ano.
Licenciou-se em Eng. Física Tecnológica
na Universidade do Algarve (UALG) em grande parte no
regime de trabalhador estudante. Passou pelo Centro
Ciência Viva do Algarve como monitor em Física
e Astronomia, foi colaborador do laboratório
de investigação LIP-Algarve (polo do LIP
na Universidade do Algarve), fez páginas web,
trabalhou em rent-a-cars e restauração,
etc... Durante este período frequentou também
algumas escolas (formações), conferências,
estágios (CERN na Suiça e UCL em Londres),
entre outros.
A sua tese de fim de curso foi feita na área
da Física Médica e teve por título
"Espalhamento de Luz laser em meios túrbidos
- uma aproximação fractal". Ao acabar
o curso ainda trabalhou nesta área com o prof.
Rui Guerra na UALG durante ano e meio. Findo este período
decidiu mudar de área e procurar algo no tema
que sempre lhe despertou mais interesse, a Astrofísica.
Foi então que conheceu o Prof. Ilídio
Lopes, investigador no Centro de Astrofísica
do Instituto Superior Técnico e professor na
Univ. de Évora que o seduziu para a Física
Solar.
Está neste momento a fazer o seu doutoramento
nesta área no Instituto Superior Técnico
em Lisboa.
Ganhou um prémio de apoio à investigação
portuguesa no Programa Gulbenkian de Estímulo
à Investigação na área Ciências
da Terra e do Espaço 2006.
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