Luís Sebastião
“Nunca é tarde demais.”
Quais os novos conceitos teóricos
que derivam da simbiose entre a ciência marinha e a
tecnologia marinha?
Muitos certamente! Vou falar apenas de dois. No campo da Biologia,
as explorações recentes das fontes hidrotermais
de grande profundidade (o equivalente subaquático das
"fumarolas") vieram revolucionar as teorias sobre
a origem da vida! As tecnologias e alguma dose de sorte levaram
os cientistas a lugares como o "Lucky Strike" onde
se descobriu que existem formas de vida que são totalmente
independentes da fotossíntese! Todos os seres vivos
que nos rodeiam fora de água (e dentro de água
até profundidades reduzidas) podem ser organizados
numa cadeia alimentar cujas espécies de suporte dependem
da fotossíntese. Mas nas profundezas (800-1000 metros
ou mais) descobriram-se comunidades de moluscos e uns "primos"
dos camarões que vivem sem qualquer dependência
da luz e na presença de produtos altamente tóxicos!
Esta cadeia alimentar tem por fonte de energia os produtos
químicos emanados pelas fontes hidrotermais, daí
que se diga que realizam a quimiossíntese. Esta recente
descoberta criou uma revolução nas teorias de
origem da vida no planeta terra: numa altura em que a atmosfera
ainda filtrava fortemente a luz do sol, já havia condições
para haver vida no mar profundo e pode daí ter sido
trazida para fora de água. Fascinante, não é?
O segundo exemplo que vou dar, e porque se trata mesmo de
uma simbiose, é sobre a tecnologia marinha. Explorar,
cada vez mais fundo e em áreas cada vez maiores é
um desafio tremendo. Duas coisas são particularmente
difíceis: as comunicações e a navegação
(no sentido de determinar a posição de um veículo
ou de um objecto debaixo de água). Recordo-me de uma
apresentação da Dra. Marcia McNutt, Directora
do Monterey Bay Research Institute (http://www.mbari.org),
cuja introdução focava as explorações
do nosso Fernão de Magalhães e durante a qual
ela se questionou "O que diria ele se voltasse 500 anos
depois e verificasse que nós ainda nos debatemos com
o mesmo problema que ele se debatia - a navegação?".
Claro que isto se refere, no tempo presente, à navegação
debaixo de água. Neste contexto têm surgido soluções
muito interessantes que envolvem a colaboração
de veículos autónomos de superfície e
submarinos. Efectivamente, tal como proposto no projecto ASIMOV
(http://dsor.isr.ist.utl.pt/Projects/Asimov/index.html),
um veículo de superfície que se mantenha na
vertical sobre um veículo submarino ajuda à
determinação da posição do submarino
e facilita grandemente as comunicações por canal
acústico entre os dois. Esta operação
conjunta põe uma série de problemas práticos
mas também teóricos: o estudo do controlo coordenado
de veículos autónomos é tópico
muito actual de investigação, já foi
o cerne de algumas teses de doutoramento e ainda há
muito para fazer incluindo demonstrações experimentais
dos conceitos!
O que é que amanhã será
tarde demais?
Tudo. E nada. Até sou apologista do "nunca é
tarde demais"! ;-) Pode parecer contraditório
mas para mim não é.
Na verdade esta expressão ficou registada no meu diário
de bordo quando vi o filme "Clube dos Poetas Mortos".
A rebeldia, o espírito crítico, a criatividade,
liberdade para explorar e outras irreverências que estavam
associadas a este filme agradaram-me bastante e adoptei o
mote "Carpe diem".
No sentido mais estrito da expressão pode-se aplicar
desde coisas triviais como decidir dar um mergulho fantástico
às 8h da noite, estando a 300km de casa, até
às mais sérias se pensarmos que amanhã
a morte pode bater-nos à porta. Não quero chocar
ninguém mas é mesmo assim. Que o diga o Steve
Jobs, CEO da Apple Computer e da Pixar Animation Studios (recomendo
vivamente a leitura de
http://news-service.stanford.edu/news/2005/june15/jobs-061505.html.
A curiosidade, é uma doença?
Não diria, acho que é mais uma questão
de feitio e/ou de atitude. É o motor que está
na génese de muitas descobertas. Acho que está
muito associado a outra "doença" que é
o espírito crítico. Dá tanto gozo quando
perante uma determinada questão há algo que
parece não bater certo, despertando a curiosidade sobre
outras formas de resolver o problema que acaba por levar-nos
a soluções interessantes. A vida deve mesmo
ser muito aborrecida se se perder a curiosidade e o espírito
crítico!
A Natureza, pode revoltar-se?
O minha formação leva-me a encarar a Natureza
como um grande sistema dinâmico, com uma dimensão
formidável de processos (físicos, químicos
e outros) e onde, para ajudar à festa, há uns
seres que dão um grande contributo para abalar os delicados
equilíbrios desse sistema. Assim, sou levado a achar
que não, não se trata de a Natureza revoltar-se.
Há situações em que os fenómenos
podem parecer uma autêntica revolta da Natureza reagindo
contra quem tenta dominá-la, o que aliás é
bom porque contribui para que esse ser dominador repense a
sua intervenção! Se a Natureza pudesse mesmo
revoltar-se já teria erradicado uns quantos senhores
deste planeta!
O que fixa no horizonte?
A linha do horizonte do oceano, vista de um veleiro onde navego.
Nesse veleiro há uma pequena sala com variados écrans
onde fervilham dados e fluem imagens recebidas de lugares
subaquáticos. Os veículos robóticos estão
permanentemente a trabalhar mapeando zonas desconhecidas,
monitorizando áreas sensíveis como sejam as
áreas protegidas para o desenvolvimento dos peixes
- autenticas maternidades e creches subaquáticas. Áreas
essas que já há muito foram definidas com a
ajuda do mesmo tipo de veículos!
Outros veículos mapeiam meticulosamente os destroços
de uma nau portuguesa afundada no século XVII à
chegada da Índia. Foi uma luta tremenda com os piratas
que, incapazes de tomá-la, optaram por a incendiar
e assim afundar. Podemos ver os destroços mergulhando
não no oceano mas num ambiente virtual recriado por
um computador com base nos dados recolhidos pelos robots submarinos
e assim conservando o património cultural para as gerações
vindouras!
E agora... que está tudo a correr bem com as missões
em curso, é altura de fundear e dar um mergulhinho! |